terça-feira, 30 de dezembro de 2008

noite de inverno - 29 de Dezembro de 2008


A noite no inverno é absurdamente longa. A culpa é da Terra e dos seus caprichos: aquela inclinação sobre o seu eixo, que se desenvolve, regularmente, a partir dos equinócios, é perfeitamente exagerada. Uma vezes sentimo-la mais do que outras.
Ontem, por exemplo - enquanto devorávamos um almoço tardio, feito de pão, queijo e paiola da serra - a penumbra caía já sobre o vale glaciar do Zêzere, bordejado pela alvura imensa da neve que caiu a bom cair nos últimos dias. Na encosta, o casario de Manteigas, lá para cima o frio intenso da Torre e o plano de tirar fotografias da torre de menagem do Castelo de Belmonte e iniciar as crianças à rota das judiarias da Serrada Estrela. Debalde.
Noite escura e fria às 17h00, potenciada pelo espectro claustrofóbico das encostas serranas. Entrada na fantástica A23 junto à vila de Belmonte com o recorte iluminado do castelo em fundo - a imagem possível de um encontro adiado. Guarda – Lisboa em menos que um suspiro e dois cigarrros e o prazer suplementar de viajar numa SCUT. Chegada a Lisboa a tempo de desfazer as malas e interagir com a família e também pensar propriamente em coisa nenhuma ou ler as edições da imprensa online.
A noite de inverno é absurdamente longa. O que vale é que pode ser sempre aproveitada.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

porque é quase Natal...(6)

Descobri os Slade no Youtube e com eles aterrei directamente na minha adolescência que não foi boa nem má, talvez tumultuosa como são quase todas as adolescências. Não sei o que será feito destes figurões mas espero que andem por aí, de saúde, a brincar com os netos num parque qualquer.



"So here it is merry Christmas
Everybody's having fun
Look to the future now
It's only just begun
"

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

de Espanha...boa música !



( gente - Presuntos Implicados )

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

infâncias ...(1)

adicción

Los pueblos indígenas desposeídos y alienados a menudo se entregan a las drogas, normalmente a las más baratas y más asequibles, como el alcohol y la gasolina. La salud de los individuos y sus familias se viene abajo. Los bebés nacen con síndrome alcohólico fetal, los niños reciben poca atención de sus padres adictos, los adolescentes siguen el ejemplo y los padres –antes respetados– son rechazados por las nuevas generaciones. Se establecen ciclos que no pueden romperse simplemente tratando a individuos o a sus síntomas. Toda la sociedad se derrumba.

Entre la juventud innu, la inhalación de gasolina constituye un problema grave. A largo plazo, esta adicción puede causar convulsiones y daño permanente a los riñones, ojos, hígado, médula ósea y corazón. En el año 2000, Charles Rich, de once años, murió al incendiarse por accidente mientras esnifaba gasolina. Un niño que presenció esta horrorosa muerte contó lo siguiente:

Me llamo Phillip. Soy esnifador [de gasolina]. Esnifo gasolina con mis amigos. En invierno, robamos motos de nieve y robamos gasolina... No voy a casa porque esnifo gasolina. Y esnifo gasolina porque mis dos padres beben y eso me saca de quicio... Hubo un momento en que Charles corrió hacia mí cuando estaba ardiendo, pero como yo estaba esnifando gasolina y mis vapores eran muy fuertes, salí corriendo. Tenía miedo de prenderme fuego yo también.”


retirado deste site a partir de um post de " Diário de un Adan "

sábado, 20 de dezembro de 2008

poesia (8)


As carruagens do comboio da poesia que eu gosto são incontáveis. O mérito, claro, é dos poetas , dos poetas escondidos que existem de entre aqueles com quem me cruzo diariamente e também, claro, dos poetas que têm prestígio e reconhecimento público.

Hoje transcrevo mais dois poemas, que habitam categorias diferentes, daquelas que dividem o meu comboio da poesia. O primeiro, foi escrito por uma jovem do 8º ano e que foi premiado no âmbito do " Prémio Literário José Gomes Ferreira" promovido, este ano, pela escola com o mesmo nome. É um poema belíssimo revelador de uma enorme maturidade. O segundo é da autoria de um amigo meu que se inspirou em memórias de infância para construir um texto poético de fundo ligeiramente machista como eu gosto, cheio de um improvável humor, repleto de verdade e ironia e , por tudo isto, muitíssimo bem conseguido.

Aqui vão:

ADEUS À PÁTRIA

Deixo a minha pátria,
minha gente.
Não vou contente...
Deixo família, levo saudade.
E de verdade...
não quero ir!
Faço-o pela minha pátria
e não por mim.
Não quero que seja assim!
Ir e talvez não voltar...
Difícil de imaginar.
Ir pela minha pátria,
e morrer por ela...
Não quero ser mártir...
Adeus meu povo, sou escravo da guerra.
Adeus meu povo,
sou escravo da guerra.
Adeus gente da minha terra,
de meu berço...
Adeus!

( Catarina Monteiro - 8º4 - Escola Secundária José Gomes Ferreira )

HISTORIETA VENEZIANA

Será que alguém sabia
Que o Signor Lucca de Rabia
e o Duque Theo de Manzanares
Se enfrentaram
E lutaram
Num duelo sangrento
Para pedir em casamento
A bela Laura di Stendici

Eram seis e dez em ponto
Quando as armas se voltaram em confronto
E dispararam quase simultaneamente
Lucca morreu com um tiro no peito
Theo ficou agónico, com a bala de Lucca no rim direito

Enquanto isso,
Aquecida pelo belo edredão,
Que ostentava o brasão
dos Manzanares,
Laura fornicava na sua cama
com o irmão de Lucca e primo de Theo,
Enrique de Chirimoya y Olivares

“Ouviste aquele barulho?” – perguntou
Ele inclinou-se, beijou-a e comentou:
“Devem ser Lucca e Theo a discutir quem matou mais narcejas”
“Excitas-me tanto, meu amor, quando gracejas!”
– riu-se a dama.


( Mário Cordeiro )

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

escola real (XVII)


Este é um flagrante do Corta-Mato de Natal na minha escola. Desporto é, também, prazer, usufruição e convívio. Antes da mais, um saudável encontro com o outro. Aqui e ali, estas máximas são de tal maneira interiorizadas que o esforço físico - sem o qual deixa de haver desporto, tal como é definido - é passado para segundo plano.
Mas enfim, se no fim de tudo ficarem o sorriso e a memória da comunhão, já não é mau.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

CAOS CALMO...


" A MULHER MORRE E ELE FICA SÓZINHO, COM A SUA FILHA DE 10 ANOS. E UMA MANHÃ, DEPOIS DE A LEVAR À ESCOLA, DECIDE NÃO IR PARA O ESCRITÓRIO E FICA ALI O DIA TODO, À ESPERA QUE ELA SAIA.
E DEPOIS, TODOS OS DIAS O MESMO.
TODOS OS DIAS VAI PÔ-LA À ESCOLA E FICA CÁ FORA, À ESPERA DELA..."


( sinopse do flime " Caos Calmo " )

Perante a tragédia da perda há duas atitudes possíveis: seguir em frente,como de costume, que é a atitude própria dos fortes e a única socialmente tolerada; e desistir, iludindo a realidade, projectando essa ilusão naquilo que resta ,numa atitude de quem comtempla e protege, sem falhas, concessões ou desistências.

A atitude de desistência activa é criticável mas é-me mais simpática - muito mais - do que a outra, aquela que radica no pragmatismo e no amor à vida.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

porque é quase Natal...(5)



( Hark the Herald Angels sing )


tomara que um Natal assim pudesse chegar ao mais empedernido dos ouvidos, ao mais fechado dos corações, à mais têvêi das culturas, aos mais sofredores de entre aqueles que sofrem...

domingo, 14 de dezembro de 2008

poesia ( 7 )

-
3ª-Amic Yo, no són ganes de molestar a ningú, no t'ho prenguis malament. Que tu m'entenguis o no és el meu problema pel que fa a la comunicació, i el teu pel que fa a la tolerància. Sigues tolerant i tots amics. -1.0 | 3 | Yo | 14-12-2008 11:47:19
2ª-Y con esa voluntad lingüística de que nos enteremos, creo que seguiran enganchados al futbol. 0.0 | 2 | diumenge, tot me ho menge. | 14-12-2008 11:05:32
1ª-Anirà molt be per a la prova del Campionat mundial d'esquí femení. Ah, que vostès no ho sabien que s'està celebrant a la Molina?. Deu ser que la redacció d'esports, com totes les d'aquest país, està obsessionada amb el futbol.

( reprodução de um diálogo entre espanhóis que eu li hoje na secção de comentários da edição online do Público espanhol )

Nem de propósito, porque a leitura destes diálogos,coincu«idiu, no tempo, com buscas que eu andava a fazer sobre poesia em catalão. Descobri a que se segue , que é uma tradução de um poema do açoriano Eduardo Bettencourt Pinto feita pelo poeta e escritor valenciano Pere Bessó.

Estive recentemente na Catalunha e esforcei-me por me aproximar da cultura catalã. Posso dizer que fiquei entusiasmado com a língua, naquilo que ela tem de mescla de contributos e também nas pontes que , lendo bem, estabelece com o português.

Aliás, sonho com uma Ibéria una, na sua riquíssima diversidade nacional, cultural e linguística. Por isso, nunca é demais construir pontes; um caminho posssível parao encontro de irmãos desavindos.

Que se leia, então, este curiosísssimo exemplo em que a poesia insular, longínqua é traduzida por um valenciano na língua dos catalães.

Podia tindre un país, d’aqueixos que s’apunten
al mapa amb fulgent dit de cristall.
O un ca, ho sabem, company fidelíssim
als melancòlics parcs d’Autumne, dissabtes a la vesprada,
quan la vida és un tedi inevitable
i una bona caminada fa esmorteir
dins de nosaltres la falta del mar, la ràbia als cobradors
d’impostos, a la farsa dels qui ens miren de biaix
perquè usem encara paraules com «amor» i «integritat.»
Els canins, és cert, tenen la puresa
del que és lleu i respirable, i una noblesa
tan humil que fins els déus,
en la seua ampolla de glòria passatgera,
hi veuen retratada la seua ulterioritat.
Sobretot els de hui, poc castos,
molt mediàtics en els seus ramats polítics
d’hòmens civilitzats fins a les ungles
dels peus.
Els assassins de la poesia
tenen camises guarnides de randa
i una estreta de mans perfumada.
Per això els països són irrellevants.
El meu, em digueren fa molts anys,
era una traïció a la Història.
Moria amb mi i amb els meus amics.
Avui no em fa falta.
La meua enyorança
s’envolta de mar.
És un paisatge enmig d’eucaliptus,
una estrella de rosada
als dits de la malenconia.
Què importa?
Tinc bons records.
La meua infantesa fou una casa
als braços de ma mare.

( original )

Um país? Que importa?

Podia ter um país, desses que se apontam
no mapa com fulgente dedo de cristal.
Ou um cão, sabemos, companheiro fidelíssimo
nos melancólicos parques do Outono, sábados à tarde,
quando a vida é um tédio inevitável
e uma boa caminhada faz amortecer
dentro de nós a falta do mar, a raiva aos cobradores
de impostos, ao cabotinismo dos que nos olham de soslaio
porque usamos ainda palavras como «amor» e «integridade.»
Os caninos, é certo, têm a pureza
do que é leve e respirável, e uma nobreza
tão humilde que até os deuses,
na sua redoma de glória passageira,
neles vêem retratada a sua ulterioridade.
Sobretudo os de hoje, pouco castos,
muito mediáticos nos seus fatos políticos
de homens civilizados até às unhas
dos pés.
Os assassinos da poesia
têm camisas rendadas
e um aperto de mão perfumado.
Por isso os países são irrelevantes.
O meu, disseram-me há muitos anos,
era uma traição à História.
Morria comigo e com os meus amigos.
Hoje não me faz falta.
A minha saudade
está rodeada de mar.
É uma paisagem entre eucaliptos,
uma estrela de orvalho
nos dedos da melancolia.
Que importa?
Tenho boas recordações.
A minha infância foi uma casa
nos braços de minha mãe.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Porque é quase Natal... ( 4 )



Charles Aznavour and Sissel - Un enfant de toi pour Noël

poesia ( 6 )


Se acaso sensível sou à poesia, se momentos tão bons dela já retirei, se atento estou à beleza formal do infinito jogo das palavras, à Escola Beiral ( agora chamam-lhe colégio )e a Afonso Lopes Vieira tudo isso devo. Aquela porque este poeta me deu a conhecer e a reconhecer , para sempre, de entre as mais belas e perenes memórias de infância.

Dele. Ilhas da Bruma - Saudades Trágico - Marítimas

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas, presságios,
de além, de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Naufraguei cem vezes já...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e feia,
com os olhos implorando
- olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se na areia.
- E sozinho me fui pela praia além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Escuto em mim, - oiço a grita
da rude gente aflita:
- Senhor Deus, misericórdia!
- Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
- Senhor Deus, misericórdia!
- Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no bulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim, além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ah! Deus por certo conhece
minha voz que se ergue, branca e sozinha,
- flor de angústia a subir aos céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu halo...
Rezam em mim os outros que rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei chorá-lo
com lágrimas de além...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.

Ó meu amor, repara
nos meus olhos, na sua mágoa clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem fim
o além, em mim...

Chora no ritmo do meu sangue, o Mar

Ilhas de Bruma

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

porque é quase Natal ...(3)


Faleceu, aos 85 anos, Bettie Page, ícone sexual dos anos 50. Ela foi uma pioneira e eu sempre gostei dos pioneiros, aqueles que ousam desbravar caminhos pelos quais os outros nunca se aventuraram.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

na morte de Ali Alatas


"A noticia chega-me a meio da noite, de Dili: morreu Ali Alatas.
Pensem o que pensem: procurou compensar o mal feito. Foi ele que fez a Indonésia e os indonésios "dar a volta" relativamente à "perda" de Timor.
Tinha um apurado sentido da História: admirava Portugal e a herança portuguesa no seu país.
A Indonésia presta tributo a um extraordinário diplomata. E eu também a um Amigo. "


Ana Gomes no blogue colectivo "Causa Nossa"

Como respeito muito a acção da Ana Gomes durante os tempos , duríssimos, que antecederam o nascimento da desgraçada nação Timorense,e até por isso, constato que a vida é uma constante REESCRITA de memórias e convicções, em que por sobre as piores dores e os piores ódios passam a escorrer tintas que os tornam um olvido para que assim seja possível construir um tempo novo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

desporto (VII)

Estou todo satisfeito porque completei mais uma meia-maratona correndo , que nem louco, rio acima, rio abaixo em busca de uma melhor marca pessoal que, diga-se de passagem, atingi ( posição 604 ). O tempo nem estava tanto de feição como o início de Dezembro poderia augurar: um vento teimozito a bater-nos no rosto e , aqui e ali, o sol a aquecer mais do que aquilo que seria expectável. Era , para meu desgosto, manhã cedo , aquela que sucedeu a um lanchinho de natal, por demais composto, onde se juntaram amigos, queijos e compotas e fritos natalícios escorridos pelo vinho e também por estórias, daquelas que se contam quando as línguas se soltam. É que eu sou sou da “ escola Marco Fortes” que é como quem diz “ …de manhã está-se bem é na caminha”.
Mas a manhã, a qual prefiro entre lençóis, resultou , não obstante as condicionantes relativamente bem. O menu era quase tão variado como o da tarde do dia anterior: maratona ( a 23ª Maratona de Lisboa ) mais meia – maratona mais “ prova aberta”, para agradar a toda a gente. E um pormenor raro em Portugal: o pelotão era uma Babel, abrangente, passe o pleonasmo. Ouvi todas as variantes possíveis do inglês, castelhano muito e idiomas incompreensíveis como aqueles falados a norte e a oriente. Lisboa abriu-se ao turismo desportivo . Foi uma abertura tímida, é certo, com um percurso monótono , muito pouco público e uma organização a vacilar.
É bom que os empreendedores – aqueles que ganham dinheiro com estes eventos – tenham captado a mensagem: Lisboa não é Nova Iorque mas há gente por esse mundo fora que põe a Maratona de Lisboa na sua agenda atlética. Como ficou bem provado neste domingo, dia 7 de Dezembro de 2008.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

poesia ( 5 )


Descobri a poetisa Cristina Peri Rossi nas viagens que faço pela blogosfera. Proponho-vos o seu blogue e deste, um poema:

CONDICION DE MUJER

Soy la advenediza
la que llegó al banquete
cuando los invitados comían
los postres

Se preguntaron
quién osaba interrumpirlos
de dónde era
cómo me atrevía a emplear su lengua

Si era hombre o mujer
qué atributos poseía
se preguntaron por mi estirpe

“Vengo de un pasado ignoto –dije-
de un futuro lejano todavía
Pero en mis profecías hay verdad
elocuencia en mis palabras
¿Iba a ser la elocuencia
atributo sólo de los hombres?”
Hablo la lengua de los conquistadores
es verdad
pero digo lo opuesto de lo que ellos dicen.

Soy la advenediza
la perturbadora
la desordenadora de los sexos
la transgresora

Hablo la lengua de los conquistadores
pero digo lo opuesto de lo que ellos dicen.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

...na morte de António Alçada Baptista



Ele próprio, Bethânia, O´Neill , Pessoa e a exaltação da lusofonia.

AINDA O CHERNE
23/03/2002 | Vasco Graça Moura

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De repente, Alexandre O"Neill foi recordado. Referências ao seu poema "Sigamos o cherne!" saltaram para tudo o que é comunicação social, mas provavelmente houve muita gente que não se preocupou com a sua releitura.

É pena. O cherne de O"Neill foi escrito, segundo a própria epígrafe do poema, "depois de ver o filme "O Mundo do Silêncio" de Jacques-Yves Cousteau", contextualização que aponta logo para uma dimensão ligada às profundezas que dá o sentido ao poema.

Trata-se de um poema de amor, de um convite à viagem íntima, como resulta logo dos dois primeiros versos: "Sigamos o cherne, minha Amiga! / Desçamos ao fundo do desejo".

O cherne é uma metáfora daquilo que há no mais fundo de nós ("Em cada um de nós circula o cherne, / Quase sempre mentido e olvidado"). Uma metáfora daquilo que em nós se arrisca a ser traído, recalcado e frustrado. E por isso devemos segui-lo, sob pena de o perdermos e de nos perdermos: "mentido o cherne a vida inteira / Não somos mais que solidão e mágoa".

A estupidez bronca das reacções que a citação feita por Margarida Sousa Uva suscitou, torna ainda mais actuais outros versos de O"Neill: "Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, / golpe até ao osso, fome sem entretém, / rocim engraxado, / feira cabisbaixa, / meu remorso, / meu remorso de todos nós..."

sábado, 6 de dezembro de 2008

e agora para algo por demais sabido mas que não deixa de ser hilariante...



ou como "nuestros hermanos" são bons em quase tudo, menos a falar inglês...


...e como Herman e os seus "bonecos" são, já, um clássico , e , ainda por cima, de génio .

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

interpelações... (1)


Para acolher Cristo, que se apresta a “descer” ( o Advento), “é necessário despertar do torpor, do aborrecimento, do costume.”

leitura possível do evangelho do
I DOMINGO DO TEMPO COMUM
Mc 13,33-37

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

porque é quase Natal...(2)

NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

(David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-1988 )

publicado , há quase um ano, no extinto " O meu Cais "

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Espírito Santo


Repete-se o ciclo do calendário religioso à velocidade , extrema, desta nossa vida curtinha. Estamos no Advento mas hoje apetece-me fazer uma incursão pela festa do Pentecostes. Já o fiz aqui, outra vez: não são tanto as “ línguas de fogo” que me fascinam mas aquilo que elas derramam. Façamos dos dias todos, um Pentecostes e a coisa tornar-seá numa espécie de desafio.

Transcrevo de seguida um texto delicioso:

A melhor definição destes dons ( do Espírito Santo ) é aquela que vem directamente do povo que os sente. Para isso vale a pena, recorrer ao depoimento de um lavrador já octogenário da ilha Terceira, Açores, chamado Gregório Machado Barcelos, recolhido em 1996 por José Orlando Bretão. Nele encontra-se, vertida no sabor do vernáculo popular e da tradição oral[1], toda a súmula doutrinária e de bom comportamento social que tem por centro e por representação o Espírito Santo. Aquele idoso, quando lhe foi perguntado o que sabia acerca dos dons do Espírito Santo, utilizando a linguagem e os conceitos típicos do culto ao Divino nos Açores, respondeu[2]:

É bom que o senhor me pergunte, porque acho que na cidade falam, falam e acertam pouco. Sem ofensa, até acho que não sabem nada, de nada. Mas eu digo como é que meu pai dizia e o pai dele lembrava muitas vezes como era. Eu digo que os dons do Espírito Santo são sete e são sete porque é assim mesmo, é um número que vem dos antigos, como as sete partidas do Mundo ou os sete dias da semana e não vale a pena estar a aprofundar muito porque não se chega a lado nenhum e só complica. E o primeiro dom do Espírito Santo é a Sabedoria – é o dom da inteligência e da luz. Quem recebe este dom fica homem de sabença. Os apóstolos estavam muito atoleimados e cheios de cagança e veio o Divino que botou o lume nas cabeças deles e eles ficaram mais espertinhos. Depois vem o dom do Entendimento. Este está muito ligado ao outro, mas aqui, quer dizer mais a amizade, o entendimento, a paz entre os homens. Este é assim: o Senhor Espírito Santo não é de guerras e quem tiver pitafe dum vizinho deve de fazer logo as pazes que é para ser atendido. E o terceiro dom do Espírito Santo é o do Conselho – o Espírito Santo é que nos ilumina a indica o caminho. É a luz, o sopro ou seja, o espírito. É por isso que tem a forma de uma Pomba, porque tudo cria e é amor e carinho. O quarto dom é o da Fortaleza, que vem amparar a nossa natural fraqueza – com este dom a gente damos testemunho público, não temos medo. Quem tem o Senhor Espírito Santo consigo tem tudo e pode estar descansado. Depois vem o dom da Ciência, do trabalho e do estudo. O saber porque é que as coisas são assim e não assado. É não ser toleirão nem atorresmado como muitos que há para aí. O senhor sabe! O dom da Piedade e da humildade é o sexto dom. Quer dizer que o Senhor Espírito Santo não faz cerimónia nem tem caganças. Assim os irmãos devem ser simples e rectos. E depois, por derradeiro, vem o sétimo dom que é o Temor mas não é o temor de medo. É o temor de respeito – para cá e para lá. A gente respeita o Espírito Santo porque o Senhor Espírito Santo respeita a gente. Temor não é andar de joelhos esfolados ou pés descalços a fazer penitências tolas: é fazer mas é bodos discretos com respeito mas alegria que o Espírito Santo não tem toleimas nem maldades escondidas. É isto que são os sete dons do Espírito Santo e o senhor se perguntar por aí ninguém vai ao contrário, fique sabendo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

porque é quase Natal...(1)



ver esta e outras imagens aqui

How Lovely 'Tis to Take This Time

How lovely 'tis to take this time
To greet our dearest friends,
To wish them health and happiness
Before the old year ends.

Darkness comes late afternoon
And winter lies ahead,
But friendship is a glowing fire
When all seems cold and dead.

Just as in some vacant barn,
Unnoticed in the night,
The whole of human history turns,
So we, too, make things right.

We must keep alive the flame
Though darkness grip the Earth;
For in the love we find in friends
Is our chance for rebirth.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

desporto (VI)

Incidence of death during jogging in Rhode Island from 1975 through 1980
P. D. Thompson, E. J. Funk, R. A. Carleton and W. Q. Sturner


"In the six years from 1975 through 1980, a total of 12 men died during jogging in the state of Rhode Island. The cause of death in 11 was coronary heart disease (CHD). One man died of an acute gastrointestinal hemorrhage. The prevalence of jogging in the Rhode Island population was determined using a random-digit telephone survey. Among men aged 30 through 64 years, 7.4% +/- 2.6% (mean +/- SEE) reported jogging at least twice a week. The incidence of death during jogging for men of this age group was one death per year for every 7,620 joggers, or approximately one death per 396,000 man-hours of jogging. This rate is seven times the estimated death rate from CHD during more sedentary activities in Rhode Island and suggests that exercise contributes to sudden death in susceptible persons. The occurrence of only one death per 7,620 joggers per year demonstrates that the risk of exercise is small and suggests that the routine exercise testing of healthy subjects before exercise training in not justified. "

Quando não corro, passo a vida à procura de literatura que sustente a tese de que a actividade física regular, moderada a forte, faz melhor do que aquilo que o vulgo geralmente pensa. Este artigo sobre o tema,dos poucos com valor científico que podem ser encontrados na net, NÃO contradiz a minha convicção. De maneira nenhuma...

sábado, 29 de novembro de 2008

29 de novembro 2008...

Não obstante ter já ultrapassado, seguramente, metade do tempo que disponho para viver, há emoções, ligadas a determinadas expectativas e acontecimentos, que não controlo. Torno-me então no mais pueril dos cinquentões.
Eu sou assim, com a neve. Tive, já, o incrível - por raro e improvável - privilégio de subir a serra de Sintra debaixo de um nevão, no decorrer de uma prova de atletismo. Doutra vez, assisti, de onde estou neste momento – o escritório da minha casa em Lisboa – à transformação das gotas de um chuvisco em levíssimos flocos brancos que me entraram pela janela e me lavaram, como nunca, este rosto tão carente de purificação. Gritei, então, saltei , telefonei a meio-mundo , anunciei o facto como se fora eu o único a dele tomar conhecimento. Obriguei os meus filhos a largar afazeres e brincadeiras, e invadir a rua e gritar e brincar. Debalde, aliás, para meu enorme espanto.
Eu sou assim. Hoje, dia 29 de Novembro, estou na expectativa. Consulto, avidamente, o boletim meteorológico. Metade do país encontra-se debaixo de um manto de neve. Lisboa está, apenas molhada e fria. Mas faço contas: menos 2 ou 3 graus e… Fixo a cor das nuvens, concentro-me nas características da água que cai do céu. Interpreto, a meu gosto, as imagens de satélite. E sonho com o milagre repetido.
Eu sou assim. Metade do país está sobre um manto branco de neve e eu ,regressado à infância, suspenso de um capricho da natureza. Para mim, o presente que me desculpe, vai ter que esperar um pouco.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Graciliano Ramos



Texto do escritor brasileiro Graciliano Ramos retirado do meu fornecedor habitual onde pode ser encontrada muita coisa sobre ele. Parece-me que Graciliano é nome a fixar e a descobrir.

“Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer”.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

desporto (V)

A promoção de “ ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEIS” é, nos dias que correm, um must : não há autarquia que não tenha programas desportivos para crianças ou para a terceira idade; não há congresso médico que não enfatize os benefícios da actividade física para a saúde; não há marca de material desportivo que deixe de se posicionar , já, na tentativa de ser o melhor patrocinador de caminhadas ou provas atléticas dirigidas aos atletas de fim-de-semana.

Ora o conceito é muito mais antigo do que eu julgava. Descobri-o, por acaso, nas minhas pesquisas pela net. Os conselhos que transcrevo de seguida não deixam de ser curiosos naquilo que têm de incrivelmente actuais e deliciosos na sua formulação. Recomendo, vivamente, que se leia a página na sua totalidade.

Fonseca Henriques, médico da corte de D. João V, "cita os princípios que a Escola de Salerno indicava para conservar a saúde e as seis coisas que era preciso ter em conta para o seu bom uso e administração:

Ar, ambiente;
O comer e beber;
O sono e a vigília;
O movimento e o descanso;

Os excretos e os retentos;
As paixões da alma
.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

escola real (XVI)

O simples enunciado de que a escolaridade é obrigatória e para todos, por um número de anos que é cada vez mais longo, atribui à escola e aos professores uma missão que é uma missão de uma enorme dificuldade.

A frase foi proferida, hoje, no Porto por ocasião da entrega do Prémio Nacional do Professor.

Quem a proferiu, quem foi?

A auto-crítica mesmo que com a forma de reconhecimento daquilo que nunca se reconheceu cai sempre bem.

sábado, 22 de novembro de 2008

leitura de fim-de-semana


"
Entretanto, ontem foi o aniversário da aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, e decorreu em Lisboa o I Congresso Internacional sobre Adopção
."
imagem retirada daqui

A informação , quase toda está, com a internet, à distância de um clique. Não mais é necessário rebuscar o mundo perverso da burocracia para, como tantas vezes acontece, desesperar por aquilo que, nem com pesquisa aturada, conseguimos encontrar.

Por isso propus-me ler e reler, com atenção, durante o fim de semana A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA . como quem pára um momento o que está fazer para reflectir sobre o que tem sido feito.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pável


Estão-se a celebrar os 100 anos do nascimento de Francisco Paula de Oliveira (Pável), militante do PCP, sobre o qual eu pouco ou nada sabia. A talhe de foice da efeméride foram escritos alguns artigos e crónicas que me estimularam a vontade de saber mais sobre esta figura .

Deixo a transcrição de parte da entrada que, a propósito de Pável, foi feita por um bloguista cujos testemunhos - nada distanciados, aliás, em relação ao PCP - me habituei a respeitar. O título da entrada é " NÃO DEIXAR MORRER A MEMÓRIA, LEMBRAR PÁVEL" e começa assim:

"Já nos próximos dias 20 e 22 deste mês, evocando os cem anos passados desde o nascimento de Francisco Paula de Oliveira (Pável), vão realizar-se dois colóquios evocativos desta figura mítica, misteriosa e enorme de operário tornado intelectual esteta e de combatente comunista.

A Pável restou, no memorial do PCP (a quem deu o melhor da sua vida e de que foi dirigente máximo), o direito ao silêncio selectivo que lhe é prestado pelos Iejovs que gostam de cuspir desdém sobre os Zinovievs varridos pelos tiros na nuca disparados pela amnésia dos banquetes da dogmática servida na mesa deste Comité Central. E o que é, hoje, o CC do PCP, depurado até à santa unanimidade do pensamento único? - Uma salada "renovada" de arrivistas, fanáticos, sectários, funcionários e sindicalistas vitalícios, temperada pelo azeite e vinagre de uma liderança sombra de estalinistas serôdios (*) e que gerem um corpo respeitável de militantes socialmente generosos mas castrados politicamente de tudo aquilo que ultrapasse as tarefas e o cumprimento do calendário das lutas. Lutas estas, lutas e mais lutas até á revolução final, que sobretudo enfeitam os discursos anarco-sindicalistas de Jerónimo, que a marxismo nem sequer cheiram, mas a que o PCP adiciona, para completar o paradigma de dinossauro partidário, os cultos decrépitos pelos defuntos da URSS e pelas paranóias políticas dos comunismos degenerados e sobreviventes em Cuba, na China e na Coreia do Norte."

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

outras músicas... (2)

Ciganos da Eslováquia: música belíssima, única e universal, nostálgica e divertida, pungente e delirante. Do leste longínquo, do qual tantos muros ainda nos separam , os sons e as vozes de um grupo de virtuosos.



umas horas depois de editar a entrada: acabo de receber um telefonema de um amigo que me dá conta que as notícias que eu aqui veiculei, saídas da minha própria sensibilidade e que dão estes homens como " uns virtuosos" são francamente exageradas. Utilizando expressões como "...mas o que é aquilo?" e "...uns gajos aos berros" o meu amigo reforçou, com veemência, o seu desacordo com a minha escolha como que a dizer que ela tem uma natureza demasiado solitária para ser válida. Será assim?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

esquerda e direita...


«A banalização do adjectivo “utópico” num sentido pejorativo não deveria impressionar nem complexar a Esquerda; foi a Direita que, ao pretender-se realista e pragmática, lhe lançou essa armadilha. (…) A Esquerda será sempre um “campo de tensão”, a tensão do inventor antes da invenção, do descobridor antes da descoberta, do poeta antes do poema - enfim, do criador antes da criação. É esse “antes” que necessariamente gera a tensão: a Esquerda sabe que nunca chegará à sociedade perfeita, um pouco como Zenão no paradoxo da tartaruga.»

João Martins Pereira in Pensar Portugal hoje ( D.Quixote 1971 ), transcrito deste blogue , referido por este.

Acerca dos paradoxos de Zenão:

"Imagine um atleta querendo correr uma distância de 60m, para chegar no final do percurso ele primeiro terá que passar no ponto que corresponde a 1/2 (metade) do percurso, depois no próximo ponto que corresponde a 2/3 do percurso, depois 3/4 do percurso, para assim chegar a 4/5 do percurso e depois 5/6 do percurso e depois 30/31 do percurso ao ponto correspondente a 199/200 e depois ao ponto 5647/5648 do percurso (que numericamente corresponderia a 59.9893798 metros), tendendo assim a ser um número infinito de pontos antes que o corredor chegue ao final.

Como o infinito é uma abstração matemática que significa algo que não tem limite, o atleta jamais conseguiria chegar ao final do percurso (60 metros), pois ele teria que percorrer infinitos pontos para chegar a um final, se ele chegasse ao fim depois de percorrer o infinito, significaria que este infinito tem um fim, como isto não é possivel, gera assim o paradoxo"


Interessante...


escola real (XV - a)

O momento da Educação em Portugal é daqueles assuntos para cuja clarificação nenhum comentário ou opinião ou ponto de vista são demais. Por isso, VIRGÍNIA E ANÓNIMO (ilustres comentadores da entrada anterior) venham muitos mais, seja ou não este blogue um cais onde afluem multidões - e claro que não é.

Ontem, num debate na SIC , José Luís Saldanha Sanches, opinou, serena e telegraficamente, sobre a avaliação dos professores chamando a atenção para a natureza do impulso reformista da ministra ( a própria avaliação; a consolidação de uma ideia de hierarquia; a atribuição de mais trabalho aos professores, na perspectiva de " uma escola a tempo inteiro" ; etc) e a resistência dos professores a esse impulso. Entende Saldanha Sanches que esta resistência radica no carácter quase auto-gestionário da actividade docente nos últimos 20 anos, num contexto em que os afectos , a criatividade, a improvisação e o trabalho solitário se sobrepuseram ao primado da lei e de uma certa ordem ( hierárquica, de competências , etc).

Sendo parte de uma verdade que é, ela própria, um complicado puzzle, a opinião de Saldanha Sanches merece , talvez, uma abordagem séria, daquelas que repousam na auto-crítica que os professores sabem, como ninguém, exercitar.

domingo, 16 de novembro de 2008

escola real ( XV)

Este é o decreto-regulamentar 2/2008 que trás os professores e respectiva tutela desavindos e , pior que isso, é a gota que está quase a transformar o espectro da desobediência civil em pura realidade.

Dos milhentos pormenores que compõem este ramalhete explosivo há um curioso: os professores têm a progressão na carreira congelada há pelos menos 3 anos. Da aplicação deste decreto regulamentar depende, entre outras coisas, o descongelamento das carreiras. Ora,nesta questão, ninguém fala de carreiras. O que parece é que, basicamente, está-se tudo a borrifar para as carreiras.(e, no entanto, a perda do poder de compra tem sido galopante para a classe dos professores - para eles a crise chegou, há muito...). A minha convicção é que os professores não estão preparados para a descriminação, seja ela positiva ou negativa. Acho que a natureza da actividade docente rejeita a competição inter-pares como o organismo humano rejeita um orgão que não é o seu. Os professores excelentes ( que os há) sabem que as razões para a não excelência são tantas e tão difusas na sua profissão que, instintivamente, engrossam, também eles, o número daqueles que não querem esta avaliação e prescindem da divulgação pública do seu próprio mérito . Os docentes sentem que têm mais em que pensar e mais do que fazer.

nota para reflexão - que outro grupo socio-profissional concluiria que o seu sucesso ( subida das classificações em exames nacionais) não é , afinal fruto das boas práticas de quem o compõem mas de estratégias habilidosas da tutela para mostrarao país o sucesso que ainda não existe?

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

blogosfera (1)


Os blogues activos são talvez vítimas do desassossego criativo que está na sua própria natureza. As entradas de grande qualidade que são produzidas na blogosfera são rapidamente envoltas num manto quase opaco que se vai enrolando sobre si próprio como se estivessem inscritas num rolo de papel de cozinha mas que , ao contrário de se abrirem às necessidades, fecham-se sobre si prórios, caindo numa espécie de esquecimento.

Quando o blogue acaba por decisão do autor, começa, no entanto, um período, menos frenético, que concede ao leitor um outro tempo, menos voraz - o tempo da revisitação.

É isso que tenho feito, regularmente com o blogue de uma jovem e talentosa amiga, que aportou recentemente ao cais, belo, da maternidade.Para trás ficaram memórias serenas e textos de enorme qualidade.E poemas novos de poetas antigos, como este, de António Ramos Rosa cuja introdução , feita pela própria Sofia, também transcrevo:

" (...)Assim, lembrei-me de uma coisa que estou há muito para pôr aqui - uma homenagem, em vida, a António Ramos Rosa. Um poeta que me é especial, por ter o privilégio de o conhecer pessoalmente, de ter privado com ele, no lar de artistas onde está. Mas mais especial do que isso, o poder ter sabido dos seus poemas logo no dia em que os escrevia e reconhecer a sua calma, na beleza da sua poesia. Por isso aqui fica a minha homenagem e o meu sorriso de que tanto gosta, porque não esquecerei um poema que me dedicou. Mas hoje, deixo aqui um poema que dedicou aos alunos da Professora Raquel Andrade, que o souberam ouvir, atentos, como nunca ninguém nos fez estar.

Se eu não conhecesse o amor nem a inocência
nem a maravilhosa juventude
se eu não reconhecesse o rosto da vida
se eu fosse opaco
se eu estivesse empedernido
se eu não confiasse em nada
se eu fosse incapaz de u,m gesto de ternura
se tivesse perdido a inteligência da dança
e o meu saber não tivesse a sabedoria do saber
e do sangue
se eu tivesse perdido o dom da atenção ao ardor obscuro
da vida animada pelo desejo
eu teria renascido quando vos vi
eu teria respirado a pureza dos vossos rostos~eu teria renascido
eu teria entrado no adorável país
da juventude do sol.
(27 de Fevereiro de 2002)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Dia de São Martinho



imagem retirada daqui

Martinho, cujo dia se celebra hoje, é aquele santo a que dedico algo que os prosélitos de imediato definiriam como devoção. O seu lendário cometimento remete para os valores que eu mais gostaria de encarnar: humildade; generosidade; despojamento. A sua imagem que é a de um guerreiro garboso com um pobre a seus pés constitui-se, paradoxalmente, como uma brevíssima alegoria da mensagem mais simples do evangelho. Daí que, levado pela lenda, há quem veja no homem que partilhou as suas vestes com quem delas precisava o rosto do próprio Cristo. Sem necessidade de rebuscados exercícios teológicos...

O que têm o vinho e o porquinho a ver com São Martinho é uma relação que desconheço. Mas se isso significar, por exemplo, que a terra fecunda é local de regresso e purificação, então subscrevo.

sábado, 8 de novembro de 2008

U.S.A (3)


" Um homem não chora, claro. Um homem não chora diante da televisão apenas por estar emocionado com as imagens da vitória de Barack Obama. Um homem morde os lábios, engole em seco e sustém as lágrimas para que não o vejam torrencialmente feliz por estar vivo para asssistir ao dia em que um negro vence as eleições presidenciais num país que, não há muito tempo, praticava oficialmente a segregação racial e onde ainda existe uma coisa atroz, absurda, como o Ku Klux Klan. Um homem não chora nem admite que, às vezes, muito de vez em quando, ainda sonha. Um homem não chora, claro, mas, que diabo!, todos temos direito a um momento de fraqueza, a ser ridículos e lamechas, a tomar a sério uma variação actualizada daquela frase mais que batida: não esperes por aquilo que Obama pode fazer pelo mundo; pensa no que podes tu fazer para ajudar a mudá-lo. "


do blogue do jornalista Manuel Jorge Marmelo .

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

U.S.A (2)


Obama promete. E o que promete , promete. Segue a primeira cena do primeiro capítulo da promessa. Barack Obama escolheu o seu chefe de gabinete. A nota biográfica do homem é tão curiosa, que , como era natural, promete:

" Emanuel was born in Chicago, Illinois. His father, the Jerusalem-born Benjamin M. Emanuel, is a pediatrician and was a member of the Irgun, a militant Zionist group active during the British Mandate of Palestine. His mother, Martha Smulevitz, worked as an X-ray technician and was the daughter of a local union organizer.[1] She became a civil rights activist; she was also once the owner of a Chicago-area rock and roll club.[5] The two met in Chicago in the 1950s.[6] Emanuel's older brother, Ezekiel, is a noted oncologist and bioethicist, and his brother, Ari, is a talent agent in Los Angeles and inspired Jeremy Piven's character Ari Gold on the HBO series Entourage.[1] Emanuel himself is also the inspiration for the character Josh Lyman on The West Wing.[1] He also has a younger sister named Shoshanna, 14 years his junior.[1]

When his family lived in Chicago, he attended Bernard Zell Anshe Emet Day School, a Jewish day school. After his family moved to Wilmette, he attended public school: Romona School, Wilmette Junior High School, and New Trier High School.[6] Emanuel was encouraged by his mother to take ballet lessons as a boy and is a graduate of the Evanston School of Ballet. He won a scholarship to the Joffrey Ballet but turned it down to attend Sarah Lawrence College, a liberal arts school with a strong dance program.[1][7]He graduated from college in 1981, and went on to receive a master's degree in Speech and Communication from Northwestern University in 1985. While still a student at Sarah Lawrence, he joined the congressional campaign of David Robinson of Chicago."

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

U.S.A.


Reconheço. Sou dos poucos europeus que não dizem mal do Presidente Bush e que não têm uma percepção negativa da sua administração. Acho que já não vou a tempo de arrepiar caminho porque a caminho está um novo presidente. É assim, ninguém é perfeito e eu também não.
De qualquer modo, e até porque sou um bocadinho teimoso, não ficaria bem comigo próprio se não propusesse aos leitores que ouvissem, com atenção, uma declaração a propósito da eleição de Barack Obama.

Ei-la


e obrigado, pela parte que me toca, a quem as ouviu com atenção.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

escola real (XIV)


1-" Quase todos os professores com muita "estrada" vos dirão o mesmo - os críticos mais severos acoitam-se dentro de nós. Porque os anos ensinaram rotinas que maquilham a falta de inspiração e o consequente triste debitar da matéria, sem chama que desperte a curiosidade dos alunos. Mas aula acabada, espelhos íntimos não mentem - fomos medíocres e não medianos."

É um paragráfo que subscrevo e que foi transcrito daqui. Somos bonzinhos, os professores e só quem é bonzinho faz auto-crítica.

2 - A obamamania parece ter chegado a locais mais ou menos improváveis. Hoje, os meus alunos de Desporto ensaiaram em plena aula, sem que nada o fizesse prever, um movimento colectivo de apoio ao candidato democrata consubstanciado numa entoação ritmada do vocábulo: " Obama,Obama". Depois, como se eu fora desinformado, o Adérito justificou-se : " sabe, stôr, ele é negrinho."

nota - A malta lá de cima é a quase totalidade da turma, num destes dias , quando fomos trabalhar para "o terreno".( ai se eles sabem que ando a mostrá-los no "Algeroz!"...)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

correr...(1)


O mundo da corrida tem um lado conservador e outro francamente revolucionário. O lado mais conservador tem a ver com a quantidade de bigodes farfalhudos que ainda hoje se vêm entre aqueles que compõem o enorme pelotão de atletas amadores, não obstante ser esse o estereótipo do jogador de futebol dos anos 80 do século passado. O lado revolucionário é o igualitarismo que o calção de licra e a camisa de alças parecem promover: naqueles preparos e decorridos uns quilómetros é muito difícil distinguir o doutor do trolha.
Encontra-se gente curiosa e agradável, também. O esforço, o sofrimento e a concentração não são incompatíveis com aquilo a que se costuma chamar de “ o encontro com o outro”.
Fiz, este fim-de-semana a “ Corrida pela Saúde “ ( nº 587 ) pelas avenidas e ruas das cidade da Amadora . Foram 14200 metros serpenteantes e cheios de rampas e rampinhas como que a dizer que Lisboa não é a única a ter colinas. Meti conversa com o companheiro de corrida - de bigode farafalhudo - que ora se me colava , ora descolava. Estranhei o facto mas rapidamente percebi que ele estava munido de máquina fotográfica e parava a espaços para fazer a reportagem do evento que ele próprio integrava para depois retomar o seu passo, novamente na minha companhia. Decidia o momento de parar e fotografar conforme o local lhe parecesse mais adequado, do ponto de vista da abrangência do ponto de vista ou da estética. Foi assim no cima duma rampa interminável na Amadora e naquela que dá acesso ao Hospital Amadora – Sintra ou junto ao Palácio de Queluz. Não se fotografava a ele próprio mas aos atletas anónimos com os quais partilhou o esforço.
Não há nada de mais desmotivador do que parar no meio do esforço e depois, de novo, retomar o ritmo, a custo adquirido. Mas para este amigo que arranjei, mais importante do que a solidão do objectivo alcançado é, pelos vistos, a captação do momento, a percepção do belo e a valorização do esforço que é dos outros.
Por estas e por outras, tantas outras, é que costumo dizer que se aprende muito, neste pequeno mundo que é o atletismo amador.

sábado, 1 de novembro de 2008

AC/dc (1)


( ao vivo - 1985)


( ao vivo - 2003)

os AC/CD reinventaram o rock’n roll criando um estilo único e inconfundível que não obstante ser mais do mesmo desde há não sei quantos anos, vai criando e arrastando atrás de si multidões de fiéis entusiastas. Eu , - não obstante estar cheio de cabelos brancos e estar cansado e ter as costas encurvadas, como expressão metafórica e real do peso da idade, tal e qual como os membros da banda que são uns rapazes australianos que terão nascido quando eu nasci – sou um desses entusiastas, quase acríticos, loucamente incondicionais. Editaram recentemente um novo álbum do qual tenciono colocar aqui, em breve, alguns temas.

Hoje o fantástico ALGEROZ! disponibiliza duas versões de Whole Lotta Rosie , ao vivo, distanciadas entre elas por quase 20 anos e por um percurso com poucas quebras, a não ser a notória parcimónia ao nível da expressão corporal que se foi gradual e naturalmente instalando naqueles corpos - vísivel na segunda versão - e que o passar do tempo querem mas não podem ignorar, como parecem fazer os seus donos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

outras músicas (1)


The Male Choir of St. Petersburg (Russia)


Lembrei o dia em que descobri os Cantos Ortodoxos quando lia uma entrevista da pintora Graça Morais onde ela refere que ..." para aliciar os jovens, na minha opinião, banalizaram-se muito os rituais( no que diz respeito à Igreja Católica Apostólica Romana). Nas igrejas ortodoxas que visitei, sobretudo, em São Petersburgo, encontrei uma outra solenidade, uma outra interioridade. (...)"
A entrada é uma espécie de três em um, com pretextos sobre pretextos para o leitor consumir daquilo que eu gosto: um blogue dedicado a Graça Morais;a beleza de um coral de vozes exclusivamente masculinas; e o pormenor , assombroso, dos baixos profundíssimos que são parte essencial do canto ortodoxo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

poesia (4)


Se o autor me propusesse um título, chamar-lhe-ia " Do Not Cross " como costuma estar escrito naquelas fitas com que a Polícia baliza os locais de crime.

Toda la gloria del mundo cabe en sus ojos negros.
Vaqueros enguantados en unas piernas que se adivinan fuertes y ligeras.
Cazadora negra y gran pañuelo blanco para envolver los sueños.
El pelo largo e infantil. Las cejas tupidas.
Los labios carnosos, limpios, inquietos.
La nariz griega, firme, robusta.
No habla. Parece la mas silenciosa del grupo de adolescentes italianos que visitan Toledo.
Dieciseis, diecisiete años. Saca de su mochilita su ipod. Y reclina su cabeza en el asiento.
Se queda dormida en el AVE, a mi lado.
Llegamos a Madrid. No quiero mirarla por última vez y busco rápido la puerta mas cercana.
Hace tiempo que no escribo poemas de amor…

sábado, 25 de outubro de 2008

a escola real ( XIII)


A minha escola acordou, ontem, para mais uma manhã sem incidentes, plena de gestos contidos e sorrisos a que o ar solarengo e pacífico do tempo nunca é estranho. (digo eu, porque com uma experiência de 25 anos de ensino, tenho legitimidade para ensaiar alguns enunciados de produção caseira). Ora, eis se não quando, dou-me conta de um desassossego protagonizado por mulheres afogueadas. ( numa escola , a probabilidade de se referenciarem mulheres afogueadas é, do ponto de vista puramente numérico, muito maior do que a de se referenciarem homens afogueados). Ocorrera uma situação anómala no refeitório. Um grupo de alunos - cujo número desconheço e que permanece, aliás, desconhecido - encapuzados (leia-se, seguidores de uma moda que consiste em tapar parcialmente a cabeça com o capuz de uma espécie de casaco de pano ou outro tipo de têxtil de valor aproximado sem que o rosto deixe , por isso, de ser reconhecido ) terá entrado de rompante pelo espaço do bar, terá alçado das manápulas para dentro e por detrás da vidraça onde se encontram as bebidas, os doces , os salgados e a fruta e terá tentado, sem êxito, tomar posse do respectivo recheio. O episódio durou segundos e, perante a não concretização do desiderato, o grupo ter-se-á posto em fuga, deixando apenas um rasto de espanto pela audácia e descaramento demonstrados.

1ª questão – O grupo fugiu….para onde? (era hora de recolhimento académico donde era de supor que todos estivessem mergulhados na nobre tarefa de aprender/ensinar)
2ª questão – O caso , que eu saiba, não alastrou do espaço do refeitório ao espaço mais amplo e perverso que é o linguarejar especulativo da comunidade escolar. Pergunto, por onde andam a conspiração; a indignação ; a contestação; a preocupação pelo futuro da escola; a anedota relativamente fácil?
3ª questão – Um grupo de encapuzados, previsivelmente alunos, combina um assalto ao bar numa manhã solarenga dentro da sua própria escola. Pergunto, como caracterizar o sucedido? Delinquência objectiva e infantilidade subjectiva ou infantilidade objectiva e delinquência subjectiva?

Nota: a minha escola tem uma gestão a tempo mais do que inteiro, um Projecto Educativo, Professores suados, Funcionários zelosos, planos e montanhas de computadores, biblioteca e ludoteca, uma porta de entrada por onde só entra quem tem cartão, dois cães de guarda mais 3 seguranças que se revezam pelas 24 horas do dia e também clubes e um núcleo de apoio à família e ao aluno mais um espaço exterior com vista para Monsanto, um campo de relva sintética e um pavilhão e um ginásio apetrechados com tudo o que uma Paris Hilton possa desejar. E também muitos alunos, simpáticos , a maioria deles provenientes de meios sócio-económicos desfavorecidos, onde não faltam I-Pod’s e telemóveis e que gostam de tudo menos de estudar.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

erudição e senso comum...


Sou, no pouco que leio, todo pormenores e minúcia. Ligo mais ao sortilégio da sintaxe que, numa frase ou num parágrafo, me transporta para um mundo real ou ilusório a partir da postura clássica de quem tem um livro na mão e nele está concentrado. Daí que me interesse menos o final da trama quando ela existe e me fixe mais naquele momento, ou no outro, a páginas tantas do capítulo tal que se constitui como base do impulso que me leva a transcrevê-lo , ou recitá-lo ou fazê-lo passar por meu ( involuntariamente) quando me entrego a exercícios de estilo.
Gosto , também, de sínteses e de aforismos. Prefiro os inteligentes e sofisticados. Mas deliro , no entanto, quando a erudição inverte o rumo habitual e desagua no vulgar e no senso-comum. E penso: “ afinal eles não são seres de outro mundo”.
É o caso deste escrito, atribuído ao teólogo alemão Martinho Lutero, ontem transcrito pelo “ Público”:

Quem não for belo aos 20 anos, forte aos 30, esperto aos 40 e rico aos 50 não pode esperar ser tudo isso depois. “

…deliro sim, mesmo que o escrito seja a reprodução de algo num espelho que não é o meu!

sábado, 18 de outubro de 2008

EUA


Estive em Los Angeles no ano de 1989. De tenro não tinha apenas os modos, de imaculada não tinha apenas a pele. O meu “eu”, todo, era ainda uma cegueira serena que do mundo e dos outros tinha na conta de um porto seguro donde só poderiam vir o aconchego e toda a virtude e clareza que as águas transparentes transportam na sua quietude.
Mas desses tempos, cujo passar me foi fazendo ver o mundo com os olhos da astúcia , cristalizei algo em mim que exercito, ainda hoje, contra tudo e contra todos nesta minha pátria que é a Europa: gosto imenso dos americanos. Deles, não sei se prefiro a ausência da arrogância, o rigor no trabalho, ou o à-vontade no encontro com o outro. Admiro-os como fazedores talentosos de uma história breve e fecunda. Tomo como lição a capacidade que demonstram em chegar, antes dos outros, a sucessivos patamares nos quais a civilização assume caras novas, donde uma ideia de partilha e igualdade sai reforçada.
Eis o exemplo dos dias que correm: a América apresta-se para eleger o primeiro presidente negro quando no meu quadro de referências ecoa, como se fora ontem, a frase “ I have a dream” tão icónica como metafórica. A escolha foi, numa primeira fase, baseada no confronto improvável com uma mulher num tempo em que as mulheres ainda lutam, em quase todo o planeta, pelo direito de se aquecerem no mesmo sol que há bem pouco era um absurdo exclusivo dos homens. A escolha joga-se, agora, entre a juventude e a vaga esperança de um jovem como Obama e o heroicidade e o estoicismo de um ancião como Mccain. Mas a vaga esperança, virtude dos fortes apresta-se a vencer o preconceito que a mim próprio faz esquecer que Obama é rigorosamente negro, como é rigorosamente branco, porque é filho de um negro de carvão e de uma branca, alva como as pradarias vestidas de neve. E há ainda uma outra mulher : Sarah Palin. De uma sensualidade telúrica, imediata, as suas curvas e os seus olhos de mel ajudam ainda mais á baralhação de um jogo que, não obstante, consubstanciará, no seu resultado , a enésima lição de pioneirismo que os Americanos vão dar ao mundo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

poesia (3)


Mário Benedetti: não o conhecia, passei a conhecê-lo. Felizmente. E tão bela que é a poesia em castelhano. Di-lo-ei até me cansar de tanto repetir. Este ( aí em baixo) fui buscá-lo , uma vez mais, ao blog sub-rosa. Escolhi-o entre os três que podem ler aqui.

Una Mujer Desnuda y en lo oscuro

Una mujer desnuda y en lo oscuro
tiene una claridad que nos alumbra
de modo que si ocurre un desconsuelo
un apagón o una noche sin luna
es conveniente y hasta imprescindible
tener a mano una mujer desnuda.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera un resplandor que da confianza
entonces dominguea el almanaque
vibran en su rincón las telarañas
y los ojos felices y felinos
miran y de mirar nunca se cansan.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
es una vocación para las manos
para los labios es casi un destino
y para el corazón un despilfarro
una mujer desnuda es un enigma
y siempre es una fiesta descifrarlo.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera una luz propia y nos enciende
el cielo raso se convierte en cielo
y es una gloria no ser inocente
una mujer querida o vislumbrada
desbarata por una vez la muerte.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

ainda a crise financeira...


Ontem, na televisão, quase chorosa, uma jovem web designer alemã mostrava-se pessimista quanto ao futuro: pelas lágrimas de sal prestes a ser derramadas, o seu pessimismo pareceu-me profundo. Talvez um pânico mal contido. Queixava-se ela da iminência que enfrentamos da perda do “ estilo de vida” a que nos habituámos. Pareceu-me ser esta a questão central do seu evidente desconforto. Eu estou à vontade: nunca quis o céu na terra; nunca vivi com o que não tinha; nunca cobicei activamente aquilo a que nunca poderia aceder. Abomino compras, mesmo, lamentavelmente, as necessárias. Há razões na espécie humana que, sinceramente, a minha razão desconhece: a moda; as tendências; “ o que está a dar”.E, a um nível mais específico, a mania da viagens; as férias em locais paradisíacos; o direito à exclusividade daqueles que moram em zonas exclusivas . E a exclusividade de um certo discurso e de tantos silêncios que identificam e legitimam estas opções, estes excessos absurdos, num quadro de vida por demais finita, num mundo por demais desigual.
A questão de ter menos dinheiro ao fim do mês, não é, para todos estes irmãos em Cristo , uma questão donde não está ausente o espectro da fome e da penúria. É apenas uma questão de opção entre a manutenção do usufruto do privilégio pessoal e o retorno à prática de uma humildade relativa - que é único o caminho para nos aproximarmos, sem farsas, dos outros: de todos os outros.

Declaração de interesses: Sei, por experiência própria, o que foi ter que reformular o meu “estilo de vida”. Vivi-o sem dramas e por isso foi sem dramas que esse facto foi vivido em minha casa. Mas sou um pecador: fui criando um azedume a certa elite, sem o querer, por via da constatação dos factos sobre os quais opinei. Daí que o desespero da jovem alemã produza em mim um gozo pessoal, o lado exactamente contrário ao da piedade.

Só tenho pena é que a crise ainda me fvai fazer levar por tabela…

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

olhares sobre África


بما أنه في المغرب كل من فضح الفساد داخل المؤسسة التي يشتغل فيها يكون مصيره إما الطرد وإما السجن، فإن فكرة إنشاء «جمعية ضحايا فاضحي الفساد» أصبحت ضرورية أكثر من أي وقت مضى. وأحد الأشياء المهمة التي يجب على هذه الجمعية إصدارها هو دليل يتضمن نصائح عملية لكل موظف يفكر في فضح الفساد في المؤسسة التي يشتغل فيها.

Se acham que o teor do primeiro parágrafo do texto é assustador, leiam a tradução completa .

Desenvolvimentos a partir desta entrada.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

a crise financeira....


A crise do sistema financeiro traz-me à memória - não sei bem porquê - aquelas caricaturas, ultrapassadas , do velho capitalista balofo e cínico. É que eles agora são magros, vão ao ginásio e até já nem são capitalistas, são investidores e muitos deles mais que isso,corajosos empreendedores.

Também sobre a crise do sistema financeiro chamou-me hoje a atenção a entrada do economista Eduardo Graça,que, na sua ironia,é tão óbvia e está tão cheia de verdade que nem sequer consegue ser demagógica. Acho que vale a pena reproduzi-la na íntegra :

Tenho andado a reler, como alguns mais atentos já devem ter notado, alguns textos, bastante datados, pensava eu, do extinto MES (Movimento de Esquerda Socialista). Eis senão quando me começo a dar conta pelas notícias, primeiro em discretos rodapés e, de súbito, a toda a largura do terreno onde as notícias pegam de estaca que, afinal, algumas teses, ideias e palavras, que pensava enterradas regurgitam como flores na boca dos políticos em funções de estado. Não se confundam pois este castelo de cartas que dá pelo nome de sistema financeiro está (não esteve, está!) em vias de se desmoronar neste ano da graça de 2008. Ficará, neste declinar do sistema, para a história a frase de antologia do primeiro da Islândia aconselhando o seu povo a dedicar-se à pesca (mister no qual o meu filho é mestre o que pode ser uma mais valia não negligenciável!) enquanto nacionalizava os bancos todos lá do sítio com o apoio da Rússia. A teta secou mas os beiços dos sugadores habituados à mama não pára de reclamar mais ração. Se a coisa está preta para os lados da alta finança esta, cheia de lata, conclama à intervenção do estado, ou seja, da comunidade que lhes disponibilize o aleitamento em avales, garantias, pertences e dinheiro fresco. O estado vilipendiado, enxovalhado e denegrido à exaustão, sob as mais ferozes ameaças de ser arredado da face da terra, incompetente e trapalhão, chega-se, finalmente, à primeira linha de combate assegurando, pasme-se, a salvação dos seus detractores. Ainda tenho a memória fresca da ideia proclamada pelo Dr. Cadilhe, que deve estar a ser coberto (salvo seja) por estas garantias do estado velhaco, ter, com sapiência, colocado em cima da mesa a proposta da venda do ouro que está à guarda do Banco de Portugal, para tornar viável a reforma da administração pública … e os nossos liberais, neo-conservadores, e quejandos, terem proposto, pura e simplesmente, a supressão da participação do estado em tudo e mais alguma coisa menos nas chamadas “funções de estado”. Ora aí está como, num truque de mágica, o estado vira beneficiário, desses mesmos que preconizavam (e preconizam, vão ver!) o seu prematuro funeral. O grito que ecoa por todo o mundo, perante o silêncio dos inocentes, é o que poderíamos imaginar vindo da boca do comandante do cargueiro em perigo que levado em braços pela tripulação para o único lugar livre no salva-vidas, brada à restante tripulação aflita: “salvem-se que eu já me safei!” Vão ver que no fim nem vão agradecer!

escola real ( XII )


O país vai mudando. Quer dizer, continuam-me a irritar os ricalhaços que juntam dinheiro para ter várias casas, bons carros, perfumar o presente dos filhos para que o futuro lhes fique mais ou menos garantido e que enfim, juntam o dinheiro geralmente com trabalho mas também com especulação e aqui e ali com " gamanço " bem executado e que agora estão à rasca a tirá-lo dos bancos e a deixar o pessoal à espera não se sabe bem do quê. Continuam-me a irritar os jovens e também os menos jovens, remediados ou nem tanto, que se endividam até à última e culpam, por isso, este mundo e o outro à excepção de eles próprios, claro, e também são culpados da crise. Irritam-me, como todos já sabem, os ciganos, mas esses não são do tipo que levem à bancarrota o que quer que seja - embora se prefigurem sempre como a excepção daquilo que vou dizer a seguir.

Não tenho nada a ver com o que se está a passar. Marimbo para o consumo, para a "confiança", para os mercados de capitais e para as finanças de uma maneira geral. O meu negócio é outro . O meu negócio é a escola que , globalmente,é um mundo à parte. Posso, por isso, dar uma boa notícia. Embora à minha custa e de uns valentes milhares de profissionais, fotografias como aquela que encima a entrada estão virtualmente arredadas da realidade nacional. A sério. As crianças andam de facto todas na escola. Não é um progresso de somenos, não. Por isso, caramba , alegrem-se um pouco os que agora passam um mau bocado com medo de ficar sem "cheta".

domingo, 12 de outubro de 2008

vida em câmara lenta...


Intervalo - Per7ume e Rui Veloso

Uma canção lindíssima; uma letra que descreve um intervalo, daqueles em que, por vezes, pomos a nossa vida para dela fazermos um balanço e retomá-la porventura renovada; uma voz que é uma espécie de falsete , afinada e agradável que é a do próprio compositor da canção e que por acaso até tem um timbre de voz bem grave quando fala ; um grupo – penso – do Porto, cheio de qualidade (… mais um, façam as contas àquilo que de bom o Porto tem dado à música portuguesa ). Os “Per7ume” têm mesmo de ser acarinhados. Merecem-no. Por isso, toca a comprar o álbum e evitar fazer o que fiz ( descobri esta espécie de player na net seguindo o exemplo de amigos )

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

poesia (2)


Primeiro - Navegar pela internet fazendo tantas mudanças de rumo quantas o número da sua mais ínfima unidade de área é, na escala da vida de uma pessoa, empresa tão grandiosa como sair do sistema solar, aportar ao primeiro planeta do primeiro sistema planetário a seguir ao nosso - se essa ideia de sucessão existisse no universo – e voltar a tempo de apanhar o nosso próprio tempo. O mesmo diria eu da blogosfera. E mesmo da blogosfera seleccionada com base nos afectos e cumplicidades tempo teria eu de explorá-la apenas e se porventura lançasse nas mãos dos outros a minha própria sobrevivência e daqueles que fiz chegar ao mundo e à vida.
Mas fazer dissecções sobre dissecações da blogosfera seleccionada é quase um imperativo; é dar-lhe a utilidade que se dá ao cadáver a que se faz a mesma coisa: é dar-lhes a vida que merecem.

Segundo: Queixei-me uma vez ao Francisco José Viegas , por e-mail, da indecifribilidade de certa e cada vez mais farta da poesia que se faz. Descansou-me o homem, reafirmando o ajuste do vocábulo longo, sublinhando a sua relação com um outro, igualmente longo - imprescindibilidade. A razão da minha queixa é mais profunda: lastimo a incapacidade que tenho de decifrar aquilo que por vezes se apresenta belo, muito belo. Mas é certo que nada escapa ao poeta nem o respirar de um folha há muito morta que o vento levou ninguém sabe onde. Eis talvez outra resposta.

Terceiro – Posto tudo isto, transcrevo íntima memória de Barcelona que fui buscar a um arquivo, talvez esquecido mas recente ( Abril 2008) do blogue deste talentosíssimo poeta que, aliás, assina ele próprio o poema.

San Vicenç de Sarrià

Parecem os mesmos do ano passado,
no mesmo sítio (um ano!) e à mesma hora.
Ela no mesmo tom, que vai embora,
E ele geme e está mais gordo (ou mais delgado?).

Que tenho eu com isto? E porque não
escandir antes o ocre das fachadas,
que dessas há certeza, e as ensaimadas
cheias de açúcar (sacudo-o para o chão)?

Teimosas pálpebras, fiquem caladas!
Se ele chora e ela também, eu canto um fado
Que o santo aplaudirá do pedestal

Pois da montanha ao mar quem desarvora
Há-de voltar, amando, no Mistral
Só para me baralhar a narração.


Barcelona, Fevereiro 2001/Lisboa, Abril 2007

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Outono (1)


O Outono e o respectivo poema tardam ou fazem-se anunciar de maneira inacabada. Faltam-nos pretextos para evocar a nostalgia do lar de infância , dos quais, hoje, imaginamos longos serões passados à lareira e histórias contadas pelos avós. Não há motivos, ainda, para buscarmos o cheiro das castanhas assadas que percorre o ar da cidade. As folhas das árvores insistem em adiar o fim do seu ciclo de vida e o paradoxo do frio que não chega deixa-nos na expectativa do calor com que ele nos aquece.

Mas enquanto este Outono não chega e o poema dele se imagina , urge talvez procurar os Outonos de outrora como quem prepara o que aí vem. Porque " o Outono é ( sempre)outra Primavera, cada folha uma flor" para parafrasear o escritor Albert Camus .

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Starbucks


O blogue El Ángel de Olavide noticia nas suas Ideas Angelicales : " El StarBucks de Luchana cerrado. El primero que se cierra en España. Todo un síntoma". Ontem o jornal "Público" registava a inauguração do primeiro Starbucks em Portugal, facto que terá levado multidões até um centro comercial em Alfragide.

Ser louco é viver-se em função duma realidade que não existe. Comigo , felizmente, as coisas passam-se de maneira diferente. Eu vivo com realidades, daquelas que nos entram pelos sentidos dentro, mas de cuja existência desconheço.Ou então sou o último a tomar consciência da sua existência, já depois dela ter dado a volta ao mundo e de se ter entranhado nos hábitos das pessoas.

Esta regra que é a minha, vai-se confirmando. Até ontem não fazia a mais pequena ideia da existência de um fenómeno transnacional chamado StarBucks. Hoje, desfeita a ignorância, tenho que reconhecer que talvez não ande por fora mas sou fortemente condicionado pela tendência quase compulsiva que consiste em andar a leste.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

a escola real (XI)


A escola portuguesa é, no momento em que vos escrevo, e por imperativo do calendário lectivo, um imenso comboio prestes a atingir a velocidade de cruzeiro. O Outono tarda e por causa dessa letargia o tempo psicológico parece correr como o tempo meteorológico: cálido e pacífico. Mas, para cada um dos professores, é também tempo de esmorecer a esperança, renovada a cada início de ano como se fora um instinto, que consiste em começar um tempo novo e desenhar um aluno outro, como se não houvera atrás. A rotina tende a instalar-se e com ela o primado da gestão sobre a inovação. O plano antecipa aquilo que a realidade, as mais das vezes, tende a contradizer. Postas as coisas nestes termos, importa termos a capacidade de topar os mais ínfimos sinais que consubstanciam os pontos de convergência entre plano e realidade. E manter intacto o espírito de auto-crítica sem o qual perdemos a capacidade de sonhar, logo de construir e transformar.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

ciganos (2)


Não me parece blogosfericamente correcto fazer uso de estereótipos. De qualquer modo não acho que ilustrar graficamente a entrada com uma imagem de " os ciganos mais honestos " seja um estereótipo. Pelo contrário: meter um qualificativo do estilo "honesto " na questão é, antes, a revolução completa no estereótipo. Passe o eventual mau gosto da piada...

p.s.- e diga-se de passagem, em assuntos polémicos, adoro provocar os amigos .

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

poesia (1)


A blogosfera é uma descoberta sempre renovada.Todos os dias nela reinvento a minha sensibilidade poética e por via disso, construo novas cumplicidades. A poesia espanta ou não espanta. Se espanta, estamos falados mas mais que isso, responsabilizados na sua divulgação como se fôra uma bola de neve, insaciável.

A que se segue, descobri-a neste blogue, retirada destoutro e diz assim:

C I R C A D I A N A

***

Circulam em mim sete humores
sabores, cheiros e cores


Tem um redondo, doce e cor-de-rosa
que sabe cantigas de ninar
sacia-se na pele macia das crianças
dorme pesado
queima-se ao sol, ri de qualquer besteira
é generoso
leite de peito, florada, saúde.


Tem um que é vinagre e fel
Vendetta



Tem um que é muito bem comportado
supermercado, trânsito
bons dias!, gentilezas
me ajuda a ganhar a vida
(trottoir da alma)



Tem um que é pura luxúria
língua, tesão, gemido
(e que fica guardado
numa caixinha de veludo vermelho
no fundo da gaveta
no meio de calcinhas cor de champanhe)

***

Circulam em mim sete humores
mandam em mim, fazem lei.
Uns conheço. Uns se escondem.
Sobre estes uns nada sei.

sábado, 27 de setembro de 2008

baleal 2008 (II)




Esta entrada persegue objectivos diferenciados: fazer inveja; constituir-se como instrumento de criação de atitudes de espanto e admiração nos outros em relação ao autor da entrada; demonstrar o fosso que separa o nascimento dos projectos da sua concretização.

A mão que controla o manche da aeronave não é outra senão a minha própria mão. Isto é, por alguns momentos, naquela manhã de Agosto, algures num espaço de fronteira entre terra e mar, quem olhasse os céus teria a experiência única de ver uma máquina voadora controlada nos seus movimentos por aquele que escreve estas linhas.

Não foi sem constrangimento que decidi editar a fotografia: nela é evidente o contorno irregular da unha do meu polegar esquerdo, próprio de quem não sabe o que é um corta-unhas, antes de quem conjuga com frequência o verbo “roer”.

O botão encarnado, que encima o manche, uma vez premido, põe-nos em contacto com o controlo de tráfego aéreo. Pude comprová-lo. À esquerda, em baixo temos o transponder que se constitui como uma espécie de bilhete de identidade daquele voo, no caso, e se observarem atentamente, com o código 7000. Imaginem o que é levar com um F16 de frente sem sermos avisados. E temos os “switch´s” das luzes do avião: lá estão as “ strobo lights” ON – as “ strobo ligths “ são aquelas luzinhas intermitentes que se vêm a quilómetros de distância.

O avião é lindo com a sua generosa envergadura de asas. Tão generosa que o seu potencial de sustentação torna verdadeiramente difícil a aterragem fazendo com que o piloto tenha literalmente de o atirar para a pista. Anotem o seguinte: o difícil não é levantar voo mas fazer o avião pousar.

Por fim o Baleal tal como eu o vi: repleto de carros. A foto é como a metáfora da letargia do Baleal sem Carros.