terça-feira, 27 de janeiro de 2009

poesia (9)


NATAL DO PEQUENO BURGUÊS ( ou poema da Natal um pouco atrasado ou blasfémia ou sacaneira ou infâmia ou graça imensa- talvez esta...)

- Se eu ganhar a propina que eu suponho
não terei a angústia do Natal.
Acenderei charutos com cruzeiros
(uma vez por ano não faz mal).

- E a mulher do Chagas será minha
enquanto ele vomita no quintal.

Cristandade.

Clóvis Moura in Violão de Rua - Vol. II.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962


apanhado aqui

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

na barbearia...


O estabelecimento onde costumo aparar a barba leva 7€ pelo serviço. Disseram-me que é muito caro. Eu só tenho que acreditar porque, já velho, ainda associo roubo, unicamente, com o conceito clássico do próprio acto – violento, clandestino, ameaçador. Na barbearia tudo é diferente: o dono e os empregados são cordiais e agradecem, penhoradamente, a generosa gorjeta com que enfeito o acto do pagamento.
O enorme espelho corrido, que reflecte a minha imagem enquanto me cortam o cabelo ou, enfim, me aparam a barba por um preço manifestamente exagerado, não mente: os barbeiros devem ser profissionais de larga experiência porque são a imagem – intuitiva – do típico português de meia-idade, avançada, com cabelos de cor branca, pouco pujantes e impecavelmente penteados , uma barriga proeminente , destonificada e sábia expressão no rosto que torna qualquer um devedor do respeito natural que se deve aos anciãos .

Postas que são estas e outras constatações divirgo, então, o olhar para a minha própria pessoa. O espelho não mente: procuro aquilo que me diferencia dos barbeiros – a erudição jovial e bem humorada da expressão, as madeixas quase louras, a pele salvaguardada da passagem do tempo. Debalde. O espelho não mente: somos todos, os que ali estamos , a reprodução da mesma imagem da decadência física e da maturidade quase acabada. O espelho não mente porque, na sua frieza de água clara e transparente, não escamoteia a comparação; fá-la com um notável sentido do real. Espelho sábio!

É na barbearia que me dou conta que estou velho e então dá para compreender a condescendência com que me vão tratando e a minha própria condescendência , aquela que vai tomando conta de mim.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Barack Obama !!!


Tenho tanto apreço por Barack Obama, revejo-me tanto na sua mensagem de esperança, acredito tanto nele, que hoje, na sua investidura, senti-me na pele dele - como se estivesse a receber um presente envenenado. Por um momento – aquele momento em que G. W. Bush deixa definitivamente a Casa Branca e embarca num helicóptero – lamentei a sorte do novo presidente. Agora, algumas horas passadas, o idealismo da manhã histórica de Washington envolveu-me de novo, tomou-me como se fôra ele próprio.
É bom viver na ilusão e sentir que milhões a vivem comigo. Que a ilusão se converta no caminho novo.

infâncias...(2)


Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.
A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.
O sofrimento de uma criança é de uma ordem tão monstruosa que, frequentemente, é usado como argumento para a negação da bondade divina. Não, não há salvação para quem faça sofrer uma criança, que isto se grave indelevelmente nos vossos espíritos. O simples facto de consentirmos que milhões e milhões de crianças padeçam fome, e reguem com as suas lágrimas a terra onde terão ainda de lutar um dia pela justiça e pela liberdade, prova bem que não somos filhos de Deus.

Eugénio de Andrade, in 'Rosto Precário'


retirado do blog do citador

domingo, 18 de janeiro de 2009

outras músicas ( 4 )

Descoberto no Ouriquense , o guitarrista Manolo Sanlucar , intérprete talentoso , aqui num flamenco desempoeirado, bem humorado, teatral.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

outras músicas (3)

A voz , rouca e quente do Tito Paris não me faz lembrar nenhuma outra porque é única. Mas a mestria qtue revela a tocar viola, a consistência do som, aquela maneira cabo-verdiana de ( bem )tocar faz-me lembrar um compatriota seu, alcoólico, que mora no Bairro da Cova da Moura cujo talento se lhe equipara .Testemunhei-o mais que uma vez. A diferença , toda, está nos rumos, na sorte, na vida ...

Padoce di Céu Azul tem música e letra lindíssimas( composição de VLU)Quem acompanha o Tito Paris é o Luís dos ViraLata

Ei-las:



Bô é coisa mais linda
Que já m`oiá na céu de Cabo Verde
Padoce de céu azul
Que núvem ninhum consegui escondê

Já m dzêb êl tcheu vez
Ma nunca bô levam a sério
Dêss confusão que vida é
Bô é únic beleza que ta restam

Crêtcheu, crêtcheu
Once forever once for all
Crêtcheu,crêtcheu
Once forever you`re the one
Refrão
Bô é darling,poesia, riquesa
Amor e compreênção
Padoce de céu de Verão
Qu`incompreênsivelmente caím na nha mon

Breage:
Mar, dam bô compreêncão
Quê pa calmam ess nha coração
Bô quê nha Deus
Bô quê nha mundo

consta que...


esta mandaram-me por mail...

Girl sends 14,528 text messages a month

A 13-year old American girl sent 484 text messages every day during the month of December.
That was a total of 14,528 texts for the entire month and an average of one message every two minutes while awake.
Reida Hardesty's father was shocked when he received the phone bill at the end of the month. "First, I laughed. I thought, 'That's insane, that's impossible',"the 45-year-old told The New York Post. "And I immediately whipped out the calculator to see if it was humanly possible. Then I thought maybe AT&T made some mistake on the bill,"
However, there was no mistake and the online AT&T statement ran to 440 pages. Mr Hardesty questioned his daughter on who exactly she was sending messages to all the time. "Who are you texting, anyway? Your entire school?" he asked. "Well, a lot of my friends have unlimited texting. I just text them pretty much all the time," she explained, according to The New York Post.
The paper reported that the California girl sent messages to four of her friends who were all compulsive texters. The average number of monthly texts for a 13- to 17-year-old teen is 1,742. Mr Hardesty admits he himself sends 900 messages a month - 700 more than average for his age group, the paper reported.
It added that Mr Hardesty and his ex-wife have since placed restrictions on Reina's mobile phone use, ruling she cannot text after dinner.


Disse-me um jovem, um dia destes, que o fascina mais o silêncio das letras que o ruído imenso da voz. O código obscuro das convenções sobrepõe-se ao calor dos afectos e da proximidade, digo eu.

Um pouco- ou muito - como isto de fazer blogues. Perdão, minha gente!

domingo, 11 de janeiro de 2009

aquecimento global...


Isto, da vida, é um paradoxo pegado. Neste contexto, e também no do aquecimento global, a neve tem ameaçado este litoral a ocidente da Europa em que vivo, com a sua leveza, a sua alvura e também com essa sua característica que sendo água, é, apesar disso, seca.

Adoro neve: sou do tempo em que havia estações do ano e fazia frio a valer no inverno e também do tempo em que aqueles ligeiramente mais velhos do que eu me contavam do sortilégio que visitou o ano de 1954, em que nevou a bom nevar em Lisboa. Hoje , 2009, num tempo em que as calotes polares ameaçam derreter, eu e os meus filhos já a sentimos – à neve, nos seus atributos - 2 vezes nos últimos 3 anos aqui, na freguesia de Benfica à Lisboa quase mediterrânica. Maravilha.

Desta vez ela prometeu mas faltou à última da hora. O que vale é que visitou a Madrid , vizinha e parente, pintando-a de branco em locais que a minha memória associa a temperaturas de 40º . Sorte dos madrileños. Senti-me um um deles ,por estes dias.

imagem retirada daqui

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Rosa da Rua - Janeiro 2009


Rua da Rosa ( Bairro Alto – Lisboa ), dia 8 de Janeiro de 2009, temperatura do ar – 0º. Há pouca gente na rua: jovens alternativos, vagamente deprimidos; um casal de espanhóis a cobiçar o chapéu que a minha mulher queria comprar numa loja pejada de chapéus; um negro, de bengala, com voz e olhos de Louis Armstrong; lojas com produtos de design de autor e propostas que interpelam o transeunte ; rua limpa e longa; restaurantes com velas e decoração cuidada. Outra jovem que passa tentando negociar o horário de uma filmagem urgente; um táxi em busca de clientes; grades de lojas corridas pintadas de graffitis a lembrar Barcelona – o bairro Gótico. Tudo lembra o bairro Gótico, menos soturno, mais arejado: as fachadas dos prédios pintadas de uma cor recente; vasos com cravos suspensos debruçados por sobre os peitoris das janelas.

Uma surpresa, boa, o Bairro Alto do Janeiro de 2009. Entramos no Rosa da Rua para um jantar de celebração. Amigos, sorrisos claros em noite que é véspera de rotina laboral. Buffet farto e saboroso. Vai-se-me da memória o nome complicado de uma espécie de pão duro que acabo de comer; buffet farto e saboroso; caril, arroz, carne e castanhas; e mais que se me vai da memória. Rosa da Rua: um espaço surpreendente, de reunião, de roteiro. A dona, amiga empreendedora, empreendeu o espaço e o ambiente e o corpo novo: menos sessenta e cinco quilos !

Amigos recentes, amigos antigos: diálogos na terceira pessoa, diálogos da raia; clandestinos, à luz , débil, do lusco-fusco ou da poesia imensa e excitante da escuridão. O remanescente da noite foram os afectos, o encontro, a própria noite fria e bela de Lisboa.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Dia de Reis


Celebra-se hoje o dia dos Reis em que Jesus Cristo se dá a conhecer aos Reis Magos, embora pareça exactamente o contrário. Este dia representa também um dos momentos da Epifania do Senhor. A Natividade propriamente dita já lá vai mas reproduzo acima uma belíssima Natividade da autoria de Giovanni Battista Tiepolo, que recentemente descobri, gabada no blogue “ O Universo Numa Casca de Noz “. Para além da excelência das cores, há um São José excepcionalmente paternal e um Menino cheio de gorduras que parece emprestado pela maternidade do hospital inglês , num destes dias que vão correndo.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

cogitações...


Isto de compôr entradas para o blogue tem que se lhe diga: não é que geralmente me faltem ideias. Apenas que elas me ocorrem ou longe do único computador onde consigo escrever entradas; ou porque me ocorrem quando leio um livro num determinado parágrafo ou período e me falta caneta para sublinhar o motivo de interesse aí encontrado; ou quando estou a a guiar ou a correr; ou quando estou com pessoas que protagonizam situações “ blogáveis “; ou noutra situação qualquer, em tempo e espaço inapropriados.

Esta ocorreu -me agora mas nela já tinha cogitado muitas vezes: quando se fala de sexo, há os católicos e os outros. Quando se fala de sexo há o pudor dos católicos e há a libertinagem dos outros. Quando se fala de sexo, há a metafísica dos católicos e há o impulso carnal dos outros.

Paradoxalmente não conheço casais tão publica e mutuamente libidinosos como os casais católicos que conheço como não conheço casais tão indiferentes na manifestação de sexualidade no toque carnal como os casais laicos que conheço - esses, os despudorados, os libertinos, os fazedores do prazer.

domingo, 4 de janeiro de 2009

FANTÁSTICO!


Nasci numa maternidade que já não existe. Nutri, sempre,um enorme interesse em ter uma fotografia do edifício mas ... como arranjá-la? Andava desesperançado, esquecido até.

Eis se não quando, ao pesquisar na net imagens de Lisboa " a preto e branco", dou de caras com a Maternidade Pro - Matre à Avenida da República em Lisboa onde vi a luz do dia (...ou a semi-penumbra da alba? ) pela primeira vez.

Foi no blogue " Ao (es)correr da pena e do olhar " a cujo autor agradeço comovidamente a oportunidade única de tornar perene esta espécie de ( não ) memória essencial.

Ei-la ( a Pro - Matre ) aí em cima!

sábado, 3 de janeiro de 2009

a escola real ( XVIII)


"Le quotidien de ce prof, c’est de faire face à la défiance, à la moquerie de ses élèves qui tchatchent et passent leur temps à le manipuler en l’embarquant dans des discussions vaines et stériles pour avoir le dernier mot."

de uma das críticas do filme Entre les Murs .

Há uma questão, entre outras, que, de imediato, é possível pôr, a respeito do parágrafo acima transcrito: quantos de nós , profissionais de sucesso ( doutores, engenheiros, médicos, gestores ) projectamos neste filme a nossa própria experiência na escola, esse imenso quotidiano de que em tempos também fomos protagonistas? Será a escola hoje tão diferente daquela que foi " a nossa escola"?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

AC/DC (2)

Eu era um jovem estudante de violoncelo e tocava na orquestra juvenil da Fundação Musical dos Amigos das Crianças. Corria, nessa qualidade, o país, sem o conhecer, propriamente ( eles eram hotel, concerto e diversão ). Nesse dia , a seguir a um concerto fomos dançar a uma discoteca no Algarve. Era num tempo em que eu usava umas patilhas, andava num dessasossego em busca da mulher da minha vida , não dizia muitos palavrões, usava calças à " boca de sino ", não tinha carta de condução nem carro, não nutria qualquer apetência pelo dinheiro nem por gastos em proveito próprio e considerava-me um tipo vulgar, coisa que - pensava eu - um jovem não podia ser.
Isto para dizer que nesse dia , nessa discoteca, talvez em Albufeira, ouvi os AC /DC pela primeira vez e a música que reproduzo. Então perguntei logo:
" Quem são estes gajos ? Qual o nome desta rockalhada fantásica?

Foi o início de uma fidelidade musical, cheia de altos e de baixos como todas as fidelidades,e já lá vão uns valentes Natais.



( AC/DC - live - Highway to Hell )



( AC/DC - Highway to Hell - com Bon Scott em 1979 )

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

esperança...

ESPERANÇA é um nome abstracto que vai ganhando espaço mais e mais, a cada dia que passa. Conheço pessoas que a sabem praticar. Vejo-as, paradoxalmente, de uma maneira geral, como pessoas duras que sabem dizer não à dor eterna, àquela incapacidade de desfazer os laços vivos a que a morte, no fundo, obriga, que sabem dizer não à nostalgia com que tantas vezes encaramos uma paisagem bela, que não abdicam daquilo que pensam ser a atitude correcta mesmo que isso valha o sacrifício de uma amizade outrora inexpugnável, que recusam a contemplação e as palavras doces que pairam para além da vida real, que preferem o pragmatismo das soberbas auto-estradas e ignoram a beleza dos atalhos, por onde se passeiam águas cristalinas ou fragas ou campos verdes.
Sinto, por mim, dizê-lo: mas a esperança está naqueles que raramente voltam a cara, quase sempre arregaçam as mangas e seguem um rumo , suficientemente imunes às alternativas para sorrirem na direcção de si próprios e na dos outros.

2009


Corri, ontem - último dia do ano - mais uma São Silvestre da Amadora, 10 000 metros percorridos num percurso feioso e exigente, balizado por muita gente que, como de costume, veio para a rua animar os atletas. Um enorme festejo.
Corri mais lento que anteriores são Silvestres mas mais rápido que outras. Desta vez faltaram-me menos os pulmões que as pernas. E a auto-superação faz-se de ambos, não admite falhas de um deles.
Recebi também uma mensagem de ano novo vinda de um amigo jornalista e dirigida a todos os que integram essa já velhinha família que é o Clube do Stress ( o clube de atletismo cujas cores represento), que é , antes de tudo, um local de solidariedade e convívio.

Transcrevo-a de seguida , como se fosse dirigida aos leitores deste meu espaço:

Fartos de palavras e vãs promessas em 2008 e não nos restando senão acolher a esperança sob a forma de palavras para 2009 espero que aceitam a sugestão de reflectir um pouco com Eugénio de Andrade.
Votos de BOM ANO do Jacinto


AS PALAVRAS


São como um cristal,
as palavras.

Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.

Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio Andrade
1923 - 2005
In Antologia Breve, 1972,
5ª Edição, Limiar, 1985