A escola portuguesa é, no momento em que vos escrevo, e por imperativo do calendário lectivo, um imenso comboio prestes a atingir a velocidade de cruzeiro. O Outono tarda e por causa dessa letargia o tempo psicológico parece correr como o tempo meteorológico: cálido e pacífico. Mas, para cada um dos professores, é também tempo de esmorecer a esperança, renovada a cada início de ano como se fora um instinto, que consiste em começar um tempo novo e desenhar um aluno outro, como se não houvera atrás. A rotina tende a instalar-se e com ela o primado da gestão sobre a inovação. O plano antecipa aquilo que a realidade, as mais das vezes, tende a contradizer. Postas as coisas nestes termos, importa termos a capacidade de topar os mais ínfimos sinais que consubstanciam os pontos de convergência entre plano e realidade. E manter intacto o espírito de auto-crítica sem o qual perdemos a capacidade de sonhar, logo de construir e transformar.
3 comentários:
Miguel
Desde há uns meses sou "consultor" do Conselho Nacional de Educação, sobretudo para a definição de critérios de qualidade para o 1º e 2º ciclos, e tenho tido ocasião de debater o assunto - estão presentes representantes de diversas sensibilidades políticas e sócio-profissionais.
Tudo pode ser criticável, desde as reformas ministeriais às condições logísticas ou de emprego dos professores. Mas também te digo que há experiências espantosas com as tais poucas condições - muitos professores não têm vocação, gosto, interesse pela profissão, nem capacidade de criar, mudar e inventar. Como acontece aos médicos - são apenas licenciados.
O espartilho não é tão grande como isso, e a mim pasmou-me que mais de metade das energias e das horas, no ano passado, fosse levada a discutir as avaliações dos professores. Não tomo partido nisso, porque, incrivelmente, depois dessas discussões todas continuei sem saber quem tem razão. Foi mais ruído do que esclarecimento.
Há um certo "umbiguismo" nos professores, ou pelo menos nos seus representantes. E, contudo, se se quiser ser bom professor é-se bom professor. Até porque a relação é com os alunos e com as famílias, e o modo como a Comunidade Educativa funciona não é regulável pela DGEB.
Às vezes tenho a sensação, como nos hospitais e centros de saúde, que há muitos professores que pensam: "que boa seria a escola e o sistema educativo se não existissem crianças".
(claro que o comentário não se aplica a ti, porque te conheço o suficiente para saber que exerces a tua profissão, agarras o teu trabalho e exerces o teu emprego de forma diferente).
Abraços e obrigado por tudo o que os professores já fizeram e fazem por mim e pelos meus filhos.
A avaliação dos professores, no meio do ridículo, a confusão e do desrespeito que alguma da sua letra consubstancia , está a ter algumas consequências positivas: começa a haver , da parte dos grupos disciplinares uma vontade de construir caminhos comuns e de enquadrá-los em projectos e em planos. Por outras palavras, começ-se por antecipar o futuro. A sala de aula passa tendecialmente, desta maneira, a estar no centro das preocupações enquanto laboratório a partir do qual se luta pela consecução do plano e de onde se parte para a sua reformulação. E quando assim é, toda a comunidade educativa usufrui dos caminhos que se querem trilhar.
Há uma enorme dificuldade, em todos os serviços, em entender que estes existem para servir... mas principalmente os utentes, e não exclusivamente os que nele trabalham.
A Educação tem sido um navio sem rumo, ou então com "n" mudanças de rumno, o que vem dar na mesma.
Claramente, o que é que se pretende com a Educação, a escolaridade, os estabelecimentos? Quais são os objectivos pedagógicos do acto de ensino/aprendizagem, do acto modelo/exemplo, da descoberta dos talentos e da actividade lúdica a ela inerente (só o facto de se chamar "educação" já é um sintoma grave do que se pressupõe ir ali passar.
No dia em que, num ditado de 100 palavras, ao aluno se disser que acertou 95 em vez de se apontar as cinco que errou; no dia em que se analisar com o aluno as cinco que não acertou, e saber se foi mero deslize (de quem, por exemplo, escreve o seu nome centenas de vezes e se esquece de uma letra), se foi excesso de zelo em ouvir outras palavras e deixou uma para trás, se não a conhecia e a extraiu foneticamente, ou se foi mera calonice, conversando com o aluno sobre como se aperfeiçoar, então talvez eu comece a ser mais optimista. E isto é tanto nos privados como nos públicos, ou até mais cavernícola em alguns primeiros.
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