quinta-feira, 30 de outubro de 2008

outras músicas (1)


The Male Choir of St. Petersburg (Russia)


Lembrei o dia em que descobri os Cantos Ortodoxos quando lia uma entrevista da pintora Graça Morais onde ela refere que ..." para aliciar os jovens, na minha opinião, banalizaram-se muito os rituais( no que diz respeito à Igreja Católica Apostólica Romana). Nas igrejas ortodoxas que visitei, sobretudo, em São Petersburgo, encontrei uma outra solenidade, uma outra interioridade. (...)"
A entrada é uma espécie de três em um, com pretextos sobre pretextos para o leitor consumir daquilo que eu gosto: um blogue dedicado a Graça Morais;a beleza de um coral de vozes exclusivamente masculinas; e o pormenor , assombroso, dos baixos profundíssimos que são parte essencial do canto ortodoxo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

poesia (4)


Se o autor me propusesse um título, chamar-lhe-ia " Do Not Cross " como costuma estar escrito naquelas fitas com que a Polícia baliza os locais de crime.

Toda la gloria del mundo cabe en sus ojos negros.
Vaqueros enguantados en unas piernas que se adivinan fuertes y ligeras.
Cazadora negra y gran pañuelo blanco para envolver los sueños.
El pelo largo e infantil. Las cejas tupidas.
Los labios carnosos, limpios, inquietos.
La nariz griega, firme, robusta.
No habla. Parece la mas silenciosa del grupo de adolescentes italianos que visitan Toledo.
Dieciseis, diecisiete años. Saca de su mochilita su ipod. Y reclina su cabeza en el asiento.
Se queda dormida en el AVE, a mi lado.
Llegamos a Madrid. No quiero mirarla por última vez y busco rápido la puerta mas cercana.
Hace tiempo que no escribo poemas de amor…

sábado, 25 de outubro de 2008

a escola real ( XIII)


A minha escola acordou, ontem, para mais uma manhã sem incidentes, plena de gestos contidos e sorrisos a que o ar solarengo e pacífico do tempo nunca é estranho. (digo eu, porque com uma experiência de 25 anos de ensino, tenho legitimidade para ensaiar alguns enunciados de produção caseira). Ora, eis se não quando, dou-me conta de um desassossego protagonizado por mulheres afogueadas. ( numa escola , a probabilidade de se referenciarem mulheres afogueadas é, do ponto de vista puramente numérico, muito maior do que a de se referenciarem homens afogueados). Ocorrera uma situação anómala no refeitório. Um grupo de alunos - cujo número desconheço e que permanece, aliás, desconhecido - encapuzados (leia-se, seguidores de uma moda que consiste em tapar parcialmente a cabeça com o capuz de uma espécie de casaco de pano ou outro tipo de têxtil de valor aproximado sem que o rosto deixe , por isso, de ser reconhecido ) terá entrado de rompante pelo espaço do bar, terá alçado das manápulas para dentro e por detrás da vidraça onde se encontram as bebidas, os doces , os salgados e a fruta e terá tentado, sem êxito, tomar posse do respectivo recheio. O episódio durou segundos e, perante a não concretização do desiderato, o grupo ter-se-á posto em fuga, deixando apenas um rasto de espanto pela audácia e descaramento demonstrados.

1ª questão – O grupo fugiu….para onde? (era hora de recolhimento académico donde era de supor que todos estivessem mergulhados na nobre tarefa de aprender/ensinar)
2ª questão – O caso , que eu saiba, não alastrou do espaço do refeitório ao espaço mais amplo e perverso que é o linguarejar especulativo da comunidade escolar. Pergunto, por onde andam a conspiração; a indignação ; a contestação; a preocupação pelo futuro da escola; a anedota relativamente fácil?
3ª questão – Um grupo de encapuzados, previsivelmente alunos, combina um assalto ao bar numa manhã solarenga dentro da sua própria escola. Pergunto, como caracterizar o sucedido? Delinquência objectiva e infantilidade subjectiva ou infantilidade objectiva e delinquência subjectiva?

Nota: a minha escola tem uma gestão a tempo mais do que inteiro, um Projecto Educativo, Professores suados, Funcionários zelosos, planos e montanhas de computadores, biblioteca e ludoteca, uma porta de entrada por onde só entra quem tem cartão, dois cães de guarda mais 3 seguranças que se revezam pelas 24 horas do dia e também clubes e um núcleo de apoio à família e ao aluno mais um espaço exterior com vista para Monsanto, um campo de relva sintética e um pavilhão e um ginásio apetrechados com tudo o que uma Paris Hilton possa desejar. E também muitos alunos, simpáticos , a maioria deles provenientes de meios sócio-económicos desfavorecidos, onde não faltam I-Pod’s e telemóveis e que gostam de tudo menos de estudar.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

erudição e senso comum...


Sou, no pouco que leio, todo pormenores e minúcia. Ligo mais ao sortilégio da sintaxe que, numa frase ou num parágrafo, me transporta para um mundo real ou ilusório a partir da postura clássica de quem tem um livro na mão e nele está concentrado. Daí que me interesse menos o final da trama quando ela existe e me fixe mais naquele momento, ou no outro, a páginas tantas do capítulo tal que se constitui como base do impulso que me leva a transcrevê-lo , ou recitá-lo ou fazê-lo passar por meu ( involuntariamente) quando me entrego a exercícios de estilo.
Gosto , também, de sínteses e de aforismos. Prefiro os inteligentes e sofisticados. Mas deliro , no entanto, quando a erudição inverte o rumo habitual e desagua no vulgar e no senso-comum. E penso: “ afinal eles não são seres de outro mundo”.
É o caso deste escrito, atribuído ao teólogo alemão Martinho Lutero, ontem transcrito pelo “ Público”:

Quem não for belo aos 20 anos, forte aos 30, esperto aos 40 e rico aos 50 não pode esperar ser tudo isso depois. “

…deliro sim, mesmo que o escrito seja a reprodução de algo num espelho que não é o meu!

sábado, 18 de outubro de 2008

EUA


Estive em Los Angeles no ano de 1989. De tenro não tinha apenas os modos, de imaculada não tinha apenas a pele. O meu “eu”, todo, era ainda uma cegueira serena que do mundo e dos outros tinha na conta de um porto seguro donde só poderiam vir o aconchego e toda a virtude e clareza que as águas transparentes transportam na sua quietude.
Mas desses tempos, cujo passar me foi fazendo ver o mundo com os olhos da astúcia , cristalizei algo em mim que exercito, ainda hoje, contra tudo e contra todos nesta minha pátria que é a Europa: gosto imenso dos americanos. Deles, não sei se prefiro a ausência da arrogância, o rigor no trabalho, ou o à-vontade no encontro com o outro. Admiro-os como fazedores talentosos de uma história breve e fecunda. Tomo como lição a capacidade que demonstram em chegar, antes dos outros, a sucessivos patamares nos quais a civilização assume caras novas, donde uma ideia de partilha e igualdade sai reforçada.
Eis o exemplo dos dias que correm: a América apresta-se para eleger o primeiro presidente negro quando no meu quadro de referências ecoa, como se fora ontem, a frase “ I have a dream” tão icónica como metafórica. A escolha foi, numa primeira fase, baseada no confronto improvável com uma mulher num tempo em que as mulheres ainda lutam, em quase todo o planeta, pelo direito de se aquecerem no mesmo sol que há bem pouco era um absurdo exclusivo dos homens. A escolha joga-se, agora, entre a juventude e a vaga esperança de um jovem como Obama e o heroicidade e o estoicismo de um ancião como Mccain. Mas a vaga esperança, virtude dos fortes apresta-se a vencer o preconceito que a mim próprio faz esquecer que Obama é rigorosamente negro, como é rigorosamente branco, porque é filho de um negro de carvão e de uma branca, alva como as pradarias vestidas de neve. E há ainda uma outra mulher : Sarah Palin. De uma sensualidade telúrica, imediata, as suas curvas e os seus olhos de mel ajudam ainda mais á baralhação de um jogo que, não obstante, consubstanciará, no seu resultado , a enésima lição de pioneirismo que os Americanos vão dar ao mundo.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

poesia (3)


Mário Benedetti: não o conhecia, passei a conhecê-lo. Felizmente. E tão bela que é a poesia em castelhano. Di-lo-ei até me cansar de tanto repetir. Este ( aí em baixo) fui buscá-lo , uma vez mais, ao blog sub-rosa. Escolhi-o entre os três que podem ler aqui.

Una Mujer Desnuda y en lo oscuro

Una mujer desnuda y en lo oscuro
tiene una claridad que nos alumbra
de modo que si ocurre un desconsuelo
un apagón o una noche sin luna
es conveniente y hasta imprescindible
tener a mano una mujer desnuda.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera un resplandor que da confianza
entonces dominguea el almanaque
vibran en su rincón las telarañas
y los ojos felices y felinos
miran y de mirar nunca se cansan.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
es una vocación para las manos
para los labios es casi un destino
y para el corazón un despilfarro
una mujer desnuda es un enigma
y siempre es una fiesta descifrarlo.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera una luz propia y nos enciende
el cielo raso se convierte en cielo
y es una gloria no ser inocente
una mujer querida o vislumbrada
desbarata por una vez la muerte.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

ainda a crise financeira...


Ontem, na televisão, quase chorosa, uma jovem web designer alemã mostrava-se pessimista quanto ao futuro: pelas lágrimas de sal prestes a ser derramadas, o seu pessimismo pareceu-me profundo. Talvez um pânico mal contido. Queixava-se ela da iminência que enfrentamos da perda do “ estilo de vida” a que nos habituámos. Pareceu-me ser esta a questão central do seu evidente desconforto. Eu estou à vontade: nunca quis o céu na terra; nunca vivi com o que não tinha; nunca cobicei activamente aquilo a que nunca poderia aceder. Abomino compras, mesmo, lamentavelmente, as necessárias. Há razões na espécie humana que, sinceramente, a minha razão desconhece: a moda; as tendências; “ o que está a dar”.E, a um nível mais específico, a mania da viagens; as férias em locais paradisíacos; o direito à exclusividade daqueles que moram em zonas exclusivas . E a exclusividade de um certo discurso e de tantos silêncios que identificam e legitimam estas opções, estes excessos absurdos, num quadro de vida por demais finita, num mundo por demais desigual.
A questão de ter menos dinheiro ao fim do mês, não é, para todos estes irmãos em Cristo , uma questão donde não está ausente o espectro da fome e da penúria. É apenas uma questão de opção entre a manutenção do usufruto do privilégio pessoal e o retorno à prática de uma humildade relativa - que é único o caminho para nos aproximarmos, sem farsas, dos outros: de todos os outros.

Declaração de interesses: Sei, por experiência própria, o que foi ter que reformular o meu “estilo de vida”. Vivi-o sem dramas e por isso foi sem dramas que esse facto foi vivido em minha casa. Mas sou um pecador: fui criando um azedume a certa elite, sem o querer, por via da constatação dos factos sobre os quais opinei. Daí que o desespero da jovem alemã produza em mim um gozo pessoal, o lado exactamente contrário ao da piedade.

Só tenho pena é que a crise ainda me fvai fazer levar por tabela…

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

olhares sobre África


بما أنه في المغرب كل من فضح الفساد داخل المؤسسة التي يشتغل فيها يكون مصيره إما الطرد وإما السجن، فإن فكرة إنشاء «جمعية ضحايا فاضحي الفساد» أصبحت ضرورية أكثر من أي وقت مضى. وأحد الأشياء المهمة التي يجب على هذه الجمعية إصدارها هو دليل يتضمن نصائح عملية لكل موظف يفكر في فضح الفساد في المؤسسة التي يشتغل فيها.

Se acham que o teor do primeiro parágrafo do texto é assustador, leiam a tradução completa .

Desenvolvimentos a partir desta entrada.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

a crise financeira....


A crise do sistema financeiro traz-me à memória - não sei bem porquê - aquelas caricaturas, ultrapassadas , do velho capitalista balofo e cínico. É que eles agora são magros, vão ao ginásio e até já nem são capitalistas, são investidores e muitos deles mais que isso,corajosos empreendedores.

Também sobre a crise do sistema financeiro chamou-me hoje a atenção a entrada do economista Eduardo Graça,que, na sua ironia,é tão óbvia e está tão cheia de verdade que nem sequer consegue ser demagógica. Acho que vale a pena reproduzi-la na íntegra :

Tenho andado a reler, como alguns mais atentos já devem ter notado, alguns textos, bastante datados, pensava eu, do extinto MES (Movimento de Esquerda Socialista). Eis senão quando me começo a dar conta pelas notícias, primeiro em discretos rodapés e, de súbito, a toda a largura do terreno onde as notícias pegam de estaca que, afinal, algumas teses, ideias e palavras, que pensava enterradas regurgitam como flores na boca dos políticos em funções de estado. Não se confundam pois este castelo de cartas que dá pelo nome de sistema financeiro está (não esteve, está!) em vias de se desmoronar neste ano da graça de 2008. Ficará, neste declinar do sistema, para a história a frase de antologia do primeiro da Islândia aconselhando o seu povo a dedicar-se à pesca (mister no qual o meu filho é mestre o que pode ser uma mais valia não negligenciável!) enquanto nacionalizava os bancos todos lá do sítio com o apoio da Rússia. A teta secou mas os beiços dos sugadores habituados à mama não pára de reclamar mais ração. Se a coisa está preta para os lados da alta finança esta, cheia de lata, conclama à intervenção do estado, ou seja, da comunidade que lhes disponibilize o aleitamento em avales, garantias, pertences e dinheiro fresco. O estado vilipendiado, enxovalhado e denegrido à exaustão, sob as mais ferozes ameaças de ser arredado da face da terra, incompetente e trapalhão, chega-se, finalmente, à primeira linha de combate assegurando, pasme-se, a salvação dos seus detractores. Ainda tenho a memória fresca da ideia proclamada pelo Dr. Cadilhe, que deve estar a ser coberto (salvo seja) por estas garantias do estado velhaco, ter, com sapiência, colocado em cima da mesa a proposta da venda do ouro que está à guarda do Banco de Portugal, para tornar viável a reforma da administração pública … e os nossos liberais, neo-conservadores, e quejandos, terem proposto, pura e simplesmente, a supressão da participação do estado em tudo e mais alguma coisa menos nas chamadas “funções de estado”. Ora aí está como, num truque de mágica, o estado vira beneficiário, desses mesmos que preconizavam (e preconizam, vão ver!) o seu prematuro funeral. O grito que ecoa por todo o mundo, perante o silêncio dos inocentes, é o que poderíamos imaginar vindo da boca do comandante do cargueiro em perigo que levado em braços pela tripulação para o único lugar livre no salva-vidas, brada à restante tripulação aflita: “salvem-se que eu já me safei!” Vão ver que no fim nem vão agradecer!

escola real ( XII )


O país vai mudando. Quer dizer, continuam-me a irritar os ricalhaços que juntam dinheiro para ter várias casas, bons carros, perfumar o presente dos filhos para que o futuro lhes fique mais ou menos garantido e que enfim, juntam o dinheiro geralmente com trabalho mas também com especulação e aqui e ali com " gamanço " bem executado e que agora estão à rasca a tirá-lo dos bancos e a deixar o pessoal à espera não se sabe bem do quê. Continuam-me a irritar os jovens e também os menos jovens, remediados ou nem tanto, que se endividam até à última e culpam, por isso, este mundo e o outro à excepção de eles próprios, claro, e também são culpados da crise. Irritam-me, como todos já sabem, os ciganos, mas esses não são do tipo que levem à bancarrota o que quer que seja - embora se prefigurem sempre como a excepção daquilo que vou dizer a seguir.

Não tenho nada a ver com o que se está a passar. Marimbo para o consumo, para a "confiança", para os mercados de capitais e para as finanças de uma maneira geral. O meu negócio é outro . O meu negócio é a escola que , globalmente,é um mundo à parte. Posso, por isso, dar uma boa notícia. Embora à minha custa e de uns valentes milhares de profissionais, fotografias como aquela que encima a entrada estão virtualmente arredadas da realidade nacional. A sério. As crianças andam de facto todas na escola. Não é um progresso de somenos, não. Por isso, caramba , alegrem-se um pouco os que agora passam um mau bocado com medo de ficar sem "cheta".

domingo, 12 de outubro de 2008

vida em câmara lenta...


Intervalo - Per7ume e Rui Veloso

Uma canção lindíssima; uma letra que descreve um intervalo, daqueles em que, por vezes, pomos a nossa vida para dela fazermos um balanço e retomá-la porventura renovada; uma voz que é uma espécie de falsete , afinada e agradável que é a do próprio compositor da canção e que por acaso até tem um timbre de voz bem grave quando fala ; um grupo – penso – do Porto, cheio de qualidade (… mais um, façam as contas àquilo que de bom o Porto tem dado à música portuguesa ). Os “Per7ume” têm mesmo de ser acarinhados. Merecem-no. Por isso, toca a comprar o álbum e evitar fazer o que fiz ( descobri esta espécie de player na net seguindo o exemplo de amigos )

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

poesia (2)


Primeiro - Navegar pela internet fazendo tantas mudanças de rumo quantas o número da sua mais ínfima unidade de área é, na escala da vida de uma pessoa, empresa tão grandiosa como sair do sistema solar, aportar ao primeiro planeta do primeiro sistema planetário a seguir ao nosso - se essa ideia de sucessão existisse no universo – e voltar a tempo de apanhar o nosso próprio tempo. O mesmo diria eu da blogosfera. E mesmo da blogosfera seleccionada com base nos afectos e cumplicidades tempo teria eu de explorá-la apenas e se porventura lançasse nas mãos dos outros a minha própria sobrevivência e daqueles que fiz chegar ao mundo e à vida.
Mas fazer dissecções sobre dissecações da blogosfera seleccionada é quase um imperativo; é dar-lhe a utilidade que se dá ao cadáver a que se faz a mesma coisa: é dar-lhes a vida que merecem.

Segundo: Queixei-me uma vez ao Francisco José Viegas , por e-mail, da indecifribilidade de certa e cada vez mais farta da poesia que se faz. Descansou-me o homem, reafirmando o ajuste do vocábulo longo, sublinhando a sua relação com um outro, igualmente longo - imprescindibilidade. A razão da minha queixa é mais profunda: lastimo a incapacidade que tenho de decifrar aquilo que por vezes se apresenta belo, muito belo. Mas é certo que nada escapa ao poeta nem o respirar de um folha há muito morta que o vento levou ninguém sabe onde. Eis talvez outra resposta.

Terceiro – Posto tudo isto, transcrevo íntima memória de Barcelona que fui buscar a um arquivo, talvez esquecido mas recente ( Abril 2008) do blogue deste talentosíssimo poeta que, aliás, assina ele próprio o poema.

San Vicenç de Sarrià

Parecem os mesmos do ano passado,
no mesmo sítio (um ano!) e à mesma hora.
Ela no mesmo tom, que vai embora,
E ele geme e está mais gordo (ou mais delgado?).

Que tenho eu com isto? E porque não
escandir antes o ocre das fachadas,
que dessas há certeza, e as ensaimadas
cheias de açúcar (sacudo-o para o chão)?

Teimosas pálpebras, fiquem caladas!
Se ele chora e ela também, eu canto um fado
Que o santo aplaudirá do pedestal

Pois da montanha ao mar quem desarvora
Há-de voltar, amando, no Mistral
Só para me baralhar a narração.


Barcelona, Fevereiro 2001/Lisboa, Abril 2007

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Outono (1)


O Outono e o respectivo poema tardam ou fazem-se anunciar de maneira inacabada. Faltam-nos pretextos para evocar a nostalgia do lar de infância , dos quais, hoje, imaginamos longos serões passados à lareira e histórias contadas pelos avós. Não há motivos, ainda, para buscarmos o cheiro das castanhas assadas que percorre o ar da cidade. As folhas das árvores insistem em adiar o fim do seu ciclo de vida e o paradoxo do frio que não chega deixa-nos na expectativa do calor com que ele nos aquece.

Mas enquanto este Outono não chega e o poema dele se imagina , urge talvez procurar os Outonos de outrora como quem prepara o que aí vem. Porque " o Outono é ( sempre)outra Primavera, cada folha uma flor" para parafrasear o escritor Albert Camus .

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Starbucks


O blogue El Ángel de Olavide noticia nas suas Ideas Angelicales : " El StarBucks de Luchana cerrado. El primero que se cierra en España. Todo un síntoma". Ontem o jornal "Público" registava a inauguração do primeiro Starbucks em Portugal, facto que terá levado multidões até um centro comercial em Alfragide.

Ser louco é viver-se em função duma realidade que não existe. Comigo , felizmente, as coisas passam-se de maneira diferente. Eu vivo com realidades, daquelas que nos entram pelos sentidos dentro, mas de cuja existência desconheço.Ou então sou o último a tomar consciência da sua existência, já depois dela ter dado a volta ao mundo e de se ter entranhado nos hábitos das pessoas.

Esta regra que é a minha, vai-se confirmando. Até ontem não fazia a mais pequena ideia da existência de um fenómeno transnacional chamado StarBucks. Hoje, desfeita a ignorância, tenho que reconhecer que talvez não ande por fora mas sou fortemente condicionado pela tendência quase compulsiva que consiste em andar a leste.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

a escola real (XI)


A escola portuguesa é, no momento em que vos escrevo, e por imperativo do calendário lectivo, um imenso comboio prestes a atingir a velocidade de cruzeiro. O Outono tarda e por causa dessa letargia o tempo psicológico parece correr como o tempo meteorológico: cálido e pacífico. Mas, para cada um dos professores, é também tempo de esmorecer a esperança, renovada a cada início de ano como se fora um instinto, que consiste em começar um tempo novo e desenhar um aluno outro, como se não houvera atrás. A rotina tende a instalar-se e com ela o primado da gestão sobre a inovação. O plano antecipa aquilo que a realidade, as mais das vezes, tende a contradizer. Postas as coisas nestes termos, importa termos a capacidade de topar os mais ínfimos sinais que consubstanciam os pontos de convergência entre plano e realidade. E manter intacto o espírito de auto-crítica sem o qual perdemos a capacidade de sonhar, logo de construir e transformar.