Ontem, na televisão, quase chorosa, uma jovem web designer alemã mostrava-se pessimista quanto ao futuro: pelas lágrimas de sal prestes a ser derramadas, o seu pessimismo pareceu-me profundo. Talvez um pânico mal contido. Queixava-se ela da iminência que enfrentamos da perda do “ estilo de vida” a que nos habituámos. Pareceu-me ser esta a questão central do seu evidente desconforto. Eu estou à vontade: nunca quis o céu na terra; nunca vivi com o que não tinha; nunca cobicei activamente aquilo a que nunca poderia aceder. Abomino compras, mesmo, lamentavelmente, as necessárias. Há razões na espécie humana que, sinceramente, a minha razão desconhece: a moda; as tendências; “ o que está a dar”.E, a um nível mais específico, a mania da viagens; as férias em locais paradisíacos; o direito à exclusividade daqueles que moram em zonas exclusivas . E a exclusividade de um certo discurso e de tantos silêncios que identificam e legitimam estas opções, estes excessos absurdos, num quadro de vida por demais finita, num mundo por demais desigual.
A questão de ter menos dinheiro ao fim do mês, não é, para todos estes irmãos em Cristo , uma questão donde não está ausente o espectro da fome e da penúria. É apenas uma questão de opção entre a manutenção do usufruto do privilégio pessoal e o retorno à prática de uma humildade relativa - que é único o caminho para nos aproximarmos, sem farsas, dos outros: de todos os outros.
Declaração de interesses: Sei, por experiência própria, o que foi ter que reformular o meu “estilo de vida”. Vivi-o sem dramas e por isso foi sem dramas que esse facto foi vivido em minha casa. Mas sou um pecador: fui criando um azedume a certa elite, sem o querer, por via da constatação dos factos sobre os quais opinei. Daí que o desespero da jovem alemã produza em mim um gozo pessoal, o lado exactamente contrário ao da piedade.
Só tenho pena é que a crise ainda me fvai fazer levar por tabela…
2 comentários:
Que chato, Miguel.
Este é um post que eu gostava de ter escrito!
Grunf!
Assim sendo, resta-me subscrever inteiramente, mas mesmo palavra por palavra, tudo o que escreveste.
Se não fosse esta crise ir atingir aqueles que não a merecem, dava-me um certo gozo esta "queda do Império Romano".
Por mim, um amor, uma cabana, filhos e netos, uma profissão, um trabalho e um emprego, livros, música, e passear. Alguns lugares de eleição, e... o meu cérebro a funcionar, mesmo que com algumas brancas de vez em quando.
Um amigo meu, médico, divertia-se nos tempos do hospital, a ver como é que conseguia almoçar, nos diversos locais e com diversas ementas, com o magro subsídio de refeição que o Ministério da Saúde dava aos funcionários. E gozava imenso com isso.
Estou quase assim!
Bem, são 7h44 da manhã e, com a cabeça fresca, estou aqui a pensar que exagerei na forma e no conteúdo. Pois é, o azedume: ele é como a azia - vai e e vem. Hoje acordei bem disposto. Mas, caramba, a felicidade não se alimenta, necessariamente, com excessos. Existem outras vias para lá chegar. Como, por exemplo, nos tempos que se adivinham.
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