Cabanas de Torres é uma povoação, que repousa, como um presépio de todo o ano, ali, bem pegadinha à Serra de Montejunto. Ela é, agora, e já, mais uma terra minha, porque foi ali que nasceram e cresceram os meus sogros. Não a escolhi, tal como ela não me escolheu nesta relação que se vai mantendo , está bem de ver. Mas enquanto a sua beleza e o seu apelo se mantiveram intactos , houve um período em que eu me entretinha em não os ver, negá-los mesmo. A primeira vez que fui a Cabanas de Torres, alcunhei-a , despeitado, de "Monte dos Vendavais"- o vento assobiava na escuridão do fim de um dia de inverno e no deserto, triste, das ruas. Vi, em cada habitante, um insulto feito à minha pessoa - é que eu sou um filho da cidade, andei em colégios particulares e até conheço gente fina - e julguei ser, portanto, na altura, o protagonista de um choque de civilizações, mas vivendo-o eu, no papel da vítima. Nasceram os filhos e , para mim, nasceram também, sucessivamente, mais uma, duas e , finalmente, três vítimas desse choque de civilizações.
Hoje, com o tempo justiceiro a fazer do juíz que, neste particular, eu nunca consegui fazer de mim próprio, tudo mudou. Descobri um rosto novo e poético para o vento que é catapultado pelo relevo suave da Serra; apaixonei-me pelo cheiro a terra e a verde que ali nos envolve, vindo dos arredores, trazido pelo ar, ; adoro, mais que tudo, passear, só, pelo silêncio das rampas rodeadas de pinheiros e sentar-me na velha mó, de olhos postos nas fazendas que, lá em baixo, dotam a paisagem de uma geometria bela e natural . Sinto-me, agora, cúmplice das gentes: escassas, curiosas, genuínas e acolhedoras. Não dispenso a presença próxima e tutelar da Serra. E gosto também do presépio que é montado no "lugar", aproveitando, para abrigo do Menino, um velho tronco de uma árvore há muito morta mas que renasce, deste modo, em cada Natal. São já 19 ( lembravam-me há pouco), os cabritos no forno de que são feitos os meus almoços de 25 de Dezembro.
E , por lá corro, muito; por montes e vales ,por estradas, atalhos e carreiros; a correr sou perseguido por cães e até, nesta paixão, faço incursões pelas povoações limítrofes que de Cabanas de Torres são rivais - e vá lá eu entender porquê. Esta e outras idiosincrasias , aliás, continuam a constranger-me um pouco. Por exemplo, habituado que estou ao anonimato de Lisboa constrange-me o facto, de - enquanto me treino, e se me cruzo com alguém que observa na janela ou descansa a uma esquina - esse anonimato parecer transmutar-se nos espinhos que a fama tem, porque me sinto intensamente observado: fixam-me e depois é um crescendo de atitudes inspectivas; parecem medir, criteriosamente, as minhas passadas, avaliam o meu perfil de alto a baixo e acredito que aos meus costumes, imaginados, digam não ou os critiquem. O gelo , por mim sentido, sou eu, geralmente, que o quebro com um sonoro BOM DIA!!! ou BOA TARDE!!! acompanhados de um olhar assaz impressivo na direcção do observador, como se o conhecesse de há muito. E é remédio santo para desfazer equívocos , afastar mal entendidos e tornar a sentir-me o anónimo que estou habituado a ser.
nota: as fotos foram feitas em 2006 quando nevou intensamente em Cabanas de Torres. E como estamos na época dela...
1 comentário:
Já aqui escrevi que tão bom como gostar da terra onde nascemos é conseguirmos fazer de outras também as nossas terras. Esta fez-se tua, não há dúvida. Seduziste-a decerto ao calcorreá-la a várias velocidades ou a perturbar a sua placidez com o frenesim dos teus passos de corrida. Um abraço!
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