Tenho, já, 50 anos e um mundo novo se perfila, para mim, num horizonte não excessivamente distante. Nele habitam seres plenos de sabedoria, pragmatismo e algum desencanto que deriva dos dois primeiros atributos. Navegam geralmente num mar brando, de serenidade.
Até por tudo isto, vejo com alguma preocupação a minha incapacidade de compreender certos aspectos absolutamente recorrentes da vida em sociedade. Falo nomeadamente no PODER naquilo que ele tem a ver com a sede, ou a apetência ou o vício ou a loucura que ele próprio gera. É-me muito difícil equacionar o poder no que diz respeito a expressões como " dinheiro é poder"; "o poder é erótico"; " o poder vicia"; " queremos o poder para ficar na história". Muito mais fácil é para mim descodificar as mais complexas descobertas da ciência e da física. Pasmo com a coragem - sim, a coragem - dos poderosos , usfrutuários plenos do seu poder, que preferem ir-se da vida a ceder o poder que foram construindo. Porque eu não sei o que é gostar de poder exactamente como muito bem sei o que é não gostar de língua de vaca. E gostaria de entrar, nem que fosse por uns segundos, na pele profundamente humana dessa gente que -isso sim, vou percebendo - não é tão pouca como isso, no conjunto da sociedade que integramos desde que nascemos.
Haverá por aí alguém que me explique o poder?
3 comentários:
Meu Caro Miguel
O poder está-nos na massa dos genes. Basta ver os comportamentos naturais dos animais, e da criança em particular, para entender como sabem, sem ninguém lhes dizer, que quem tem território e escravos estará melhor do que quem não tem terra ou é, ele mesmo, escravo.
A genése da omnipotência, que começa aos 9 e sofre um rombo aos 15-18 meses de idade, está no código genético. Passada a extrema dependência e o medo de morrer
à fome, a criança inicia a sua tentativa de esticar e ampliar os limites. Enquanto os físicos são muito fixos (uma parede não se desloca mesmo após a terceira cabeçada, mostrando claramente que dali a criança não passa), já os limites relacionais e de posse são mais flexíveis e manipuláveis, designadamente através dos sentimentos e da emoção.
Aos 15-18 meses, começa a consciência de que não somos deuses - até aí, aliás, a diferença entre a criança e Deus era que Deus era seu criado -, e é também aí que começa a necessidade de explicar a nossa existência, através do passado e da perpetuação no futuro (filhos), a procura do pai ou mãe para esses milhares de filhos que fantasiamos toda a vida (passando pela fantasia incestuosa com o nosso pai ou mãe), e por aí fora.
Se, por alguma razão, este triângulo pai-mãe-filho não é bem gerido, se a omnipotência não é contrariada devidamente, se há hiperprotecção da figura Mãe e poouco ênfase da figura de ousadia Pai, se o "reizinho" domina o território todo e as relações em casa, então habitua-se a uma gestão de poder ditatorial.
A consciência ética desenvolve-se e gera conflitos, expressos em birras e outras situações ambivalentes, mas se os caminhos da gestão da frustração e de encontrar alternativas e planos B (como ver a felicidade nas coisas pequenas e poucas) não forem bem engendrados, ficará para sempre a nostalgia ou mesmo o exercício da omnipotência, com a respectiva insegurança e a adopção de um exercício perverso de poder, que mais não é do que uma expressão neurótica securizante de uma pessoa que está dominada pelo medo de crescer, de ser e de ousar.
Desculpa novamente a verborreia, mas tu pões-te a jeito, com as questões que levantas...
Não é verborreia. É um comentário sério, rigoroso e interssante como o dono. E útil, obviamente. Há no entanto uma forma de poder dos adultos, inscrito num gene qualquer que regula a maturidade e qu está extraordinariamente adormecido em mim. Será a construção do poder político ou económico ou social( cerebral, planeada, estrategicamente faseada ) para a ele ascender ,uma " expressão securizante de uma pessoa que está dominada pelo medo de crescer, de ser e de ousar?".
Miguel. Obrigado pelo elogio.
A construção planeada - quanto menos espontânea e mais planeada, aliás - dessa tomada do poder é, manifestamente, ma expressão última da insegurança e do medo.
Quem se sente com boa auto-estima, auto-imagem, ciente das suas virtudes e das suas vulnerabilidades, conhecedor dos seus limites mas também crente dos seus sonhos, não precisa de uma afirmação "fálica" na política ou na economia. Optará, sim, por uma liderança democrática, em que o poder é partilhado e as decisões o resultado do debate e, claro, do dever do líder em ter a palavra definitiva.
Os que anulam os adversários o concorrentes, ou quem lhes diga o contrário do que gostariam de ouvir, são timoratos, cobardes e ansiosos, que escondem o medo debaixo da arrogância, das certezas e da expressão autocrática do poder.
Abraços e boa Páscoa
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