sexta-feira, 7 de março de 2008

a escola real (VII)


Tenho de me embrenhar todos os dias e por momentos, nesse verdadeiro ecossistema que é a praça de Benfica e, ainda por cima, logo pela fresquinha da manhã, para levar o meu pequenino filho à escola. Aquele ecossistema é habitado por várias comunidades humanas, uma ou outra animal ( cães e gatos) e naturalmente o omnipresente representante dos factores abióticos: o ar, não poucas vezes irrespirável naquele local. De entre as comunidades humanas lá da praça, destacam-se os ciganos, vendedores de tudo e de nada, possuidores , na função, de artes várias e manha apreciável. São geralmente mal-encarados, cospem para o chão, fazem os outros esperar quando se trata de estacionar as suas "comerciais" ( todas brancas e da mesma marca) e desconhecem o sorriso , o cumprimento ou expressões como "por favor", "peço desculpa" ou "obrigado". Todos os dias me parecem mais provocadores do que no dia anterior. Ameaçam , utilizando o calão e, nisto, são extremamente eficientes : raramente passam a vias de facto. Não tenho provas, mas estou convencido que, em caso de confronto físico, se encontram sempre prevenidos com meios de defesa relativamente adequados, não vá o "diabo tecê-las".
É neste quadro que os ciganitos começam a invadir a escola , ao nível do 5º e 6º anos ( antes frequentavam, quando frequentavam, as escolas do 1º ciclo). Tal corresponde há 2ª massificação do ensino, que está em pleno curso. Trata-se, aliás, justiça se faça, de cumprir um objectivo programático do governo, enunciado como prioridade. A ideia é a seguinte : obrigar todo e qualquer jovem a frequentar a escola até aos dezoito anos e o resto logo se vê.
Como as crianças são o espelho da estrutura familiar em que se inserem, o caso concreto dos ciganitos da zona da Amadora é um "ver se te avias" no que diz respeito a reprodução de modelos - nem a Presidente do Conselho Executivo se safa quando se trata de "meter ordem na casa". Contaram-me que é assim, como resposta a uma reprimenda:
- Quero que sejas agredida na vagina ( utilizo, naturalmente, o eufemismo). e , garanto-vos, a autoridade máxima da Escola é uma figura que ainda vai sendo respeitada.
Mas, e sem ironias, não estou pessimista. A massificação da escola é uma das condições "sinequanon" da coesão social. Eu não me importo de ser actor ( vítima?) dessa revolução silenciosa.




13 comentários:

ana v. disse...

Miguel,
Olha que é preciso ser-se MUITO optimista para se ser capaz de saltar por cima dos assustadores curto e médio prazo, para só ver os benefícios de um hipotético longo prazo! E eu também sou uma optimista nata, garanto-te. Mas, neste capítulo, tiro-te o chapéu!
Espero que tenhas razão, e que estejamos todos a construir alguma coisa que valha a pena a longo prazo, mas não estou tão segura como tu de estarmos a dar os passos certos nesse caminho...

E já agora, só um àparte: o teu eufemismo consegue ser pior do que a versão pura e dura: "Quero que sejas agredida na vagina??" Bolas!

Beijo

miguel disse...

De que facto, Ana, um bom eufemismo requer do seu autor ou capacidade de criação poética ou muito sentido de humor. No caso concreto o humor seria o único caminho. Faltou-me. Saiu uma espécie de tradução literal, muito pior que o original, embora evitando o escabroso ue era o que eu pretendia.

Mas, sou optimista, sim. A escola é um lugar de mudança, e a percepção da mudança vai-se fazendo de maneira subtil e não linear. é preciso é ter capacidade para o compreender.

Sofia K. disse...

Também sou optimista, mas não acho que todos tenham de estar na escola até aos 18 anos. Se a qualidade de ensino melhorasse um nono ano chegaria e se calhar já se saía dali 'doutor' em muita coisa. Como se diz por aí, a antiga quarta classe é que era.

Sabes, o que dá coesão social é haver um pouco de tudo, não é todos serem 'médicos' e não se trata de estratificação social. O filho do pedreiro pode ser doutor, mas o filho do doutor pode ser pedreiro. Qualquer dia queres um canalizador e não tens, porque isso não é uma profissão conceituada.

Andei sempre em escolas públicas e conheci de tudo. Os pais mais humildes queriam dar aos filhos um futuro mais feliz, mas com regras, com ideias de respeito de solidariedade, enquanto os meus amigos 'finos' eram arrogantes, insultavam os professores e davam ordens Às empregadas da limpeza... como se fossem as criadas lá de casa. Eram os filhos dos ministros, os meninos bem da Lapa, mas eram os mal educados, os sem-respeito por ninguém. Mas são os que hoje têm trabalho na empresa do amigo do pai e do primo e continuam a não ter respeito por ninguém. Os outros andam aí a lutar pela vida e, quem sabe, se forem muito bons, talvez lhes saia a sorte grande.

Hoje todos são 'obrigados' a fazer a escola toda e saem de lá sem escola nenhuma. Chega-se ao fim, com um canudo na mão e pouco mais. Infelizmente. Mas a grande escola é o dia-a-dia, o mercado de trabalho, o resto são as bases, pena é que hoje em dia sejam tão más... o ensino está uma vergonha e eu andei na faculdade onde são formados os professores de português, de inglês, de história... a avaliar pelo que falavam, não liam e como escreviam... o inferno vai continuar.

beijos

miguel disse...

Toda a razão, Sofia. Subscrevo no integra tudo o que escreveste. E tudo o que escreveste atesta bem a complexidade do problema.

Mário disse...

A Sofia tem razão, e os seus comentários bastante mais interessantes do que a questão vaginal que preocupa a Ana - enfim, a cada um os seus horizontes.

Mas voltando ao que interessa, devo dizer, como pai, que fico baralhado ente certezas tão "certas", passe o pleonasmo, quando se ouve a ministra, os sindicatos ou mesmo professores avulsos.

Alguém me quer explicar, em cinco pontos, em linguagem de 4ª classe, quais são os grandes problemas do ensino e os cinco problemas da reforma da ministra que põem os professores em brasa?

Agradeço antecipadamente.

miguel disse...

Mário: a Manif. dos Profs ( na qual eu não estive )foi menos reivindicação do que contestação.

talvez:

1 - excesso ( excesso é muito soft )de papelada e burocracia, questão que já vem de antes da ministra

2 - DL, portarias e despachos, uns atrás dos outros, cujos textos são atentados à dignidade de que tem que os ler.

3 - Miúdos muito, muito, dificeis, tendo e conta a massificação de que falo.

4 - Perca de direitos( acréscimo de deveres) e poder de compra, tudo ao mesmo tempo como quem leva como uma avalanche.

5 - Avaliação,novo estatuto do aluno, tudo a a meio do ano e com retroactividade, como quem brinca com quem tem mais que fazer do que brincadeiras.

E o pessoal, dado a stresss e ataques de nervos, à beira disso mesmo ( como se pôde ver na Manif.)

apenas , por exemplo.

não foi uma manif de preguiçosos. Os preguiçosos como eu ficaram a comer e beber com os amigos!

Mário disse...

Então corresponde ao que eu pensava.
A ministra, desde o princípio, deu o ar de quem queria realmente reformar o ensino sem pressões de organizações ou de corporações.
Por outro lado, também me pareceu que reduzir as manifs à capacidade de mobilização do PCP seria demasiado simplista.
As questões que colocas deixam-me inquieto, designadamente em relação aos alunos. Qual a volta a dar sem passar pelo abandono das políticas ministeriais ou pela derrota dos professores?
É preciso que algo mude... mas não para que continue tudo na mesma.
Como é também possível que se tenha chegado a um ponto em que o diálogo é impossível. Será que chegou o momento de uma intervenção presidencial?
Abraços

ana v. disse...

Parabéns pela tua intervenção, Sofia. As reflexões que aqui expressas acabam de demonstrar, à exaustão, que o que pensas e escreves vai muito além de pimpineiras e lugares-comuns. Para quem podia ainda ter dúvidas, que a mim não me surpreendem.

Quanto a ti, Mário, não vou dar-me ao trabalho de responder a provocações infatis e patetas como a que me diriges. A cada um os seus horizontes, de facto...

E para ti, Miguel, um grande beijo de parabéns (embora atrasado), já que não me foi possível dar-to ao vivo. Os 5o anos podem ser uma idade de grandes descobertas, com maturidade e aproveitando ao máximo o que a vida nos dá. Goza-os bem.

Sofia K. disse...

Ainda diz o Miguel que tem poucos comentários! Como vês, estamos todos aqui, atentos a tudo o que se passa e se diz.

Mário, confesso que fiquei um pouco surpreendida com o seu comentário. Cada vez me surpreende mais (nem sempre pelas melhores razões!), mas creio que se devia ter ficado mesmo pelo que interessa (palavras suas!) e nisso prezo que estejamos de acordo.

Aninhas, aquilo que já sabes e o que vais descobrindo sobre mim é prova da grande amizade que temos uma pela outra. Bem sei que há coisas que já não pões em dúvida, a isso chamo confiança, amizade... e são duas coisas que não nos faltam! E quanto aos teus horizontes, nem vale a pena falar... só quem não te conhece. Beijinhos miúda!

miguel disse...

Fico muito feliz com os comentários....mesmo quando se "pegam". E repito: todos vocês fazem comentários de grande qualidade.

ana v. disse...

Alguém se "pegou" aqui, Miguel? Não dei por isso... foi só um ruído de fundo, que não vale a pena valorizar.
E obrigada, Sofia. Tenho muito orgulho em ser tua amiga, podes crer. És uma "miúda" muito especial.
Beijo aos dois

Mário disse...

AV
Desculpa. Foi de mau gosto.

ana v. disse...

Foi de mau gosto, sim, Mário. Ofensivo, mesmo, embora só me ofenda quem eu permito que o faça.
Mas estás desculpado. Não sou nem nunca fui de rancores.