quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

... não há outro que conhece tudo o que acontece em mim

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Ao contrário da maioria das pessoas, não me interessa saber se Deus existe, mas interessa-me , sim, o que é Deus , do ponto de vista da teologia. Eu sei que é quase impossível deixar de O ver como um Homem relativamente velho e barbudo - mas saudável e clarividente - quase só constituído por cabeça e tronco e que nos olha, ora ternamente, ora com censura, algures na esfera celeste, um pouco acima do azul atmosférico e não demasiado longe da terra como se esta fosse o centro do universo.

Estes detalhes anatómicos remetem, no entanto, para a mais redutora e infantilizada perspectiva do transcendente que imaginamos, longe de uma outra ideia de Deus que consiste numa imagem inacabada porque implica uma procura constante e uma descoberta gradual, apontadas ambas para os outros e para as coisas. Uma vez entendida a Sua essência, abre-se um novo caminho balizado pelo amor, pela alegria e pela liberdade interior. E, convenhamos, esta perspectiva de Deus - de projecto, de descoberta - pode tornar-se realista , reconfortante, e, antes de mais, pode-se constituir como projecto abrangente de uma vida, acredite-se ou não na Sua existência.

Sinto,então, por vezes , também, a necessidade de Deus como um juíz. Preocupa-me esta deriva em que costumamos caminhar - este farol ausente - que nos leva a interpretar o outro, geralmente pela negativa, criando cifras constantes para aquilo que é o indecifrável - os estados de alma; as razões do coração; a medida do olhar. Porque neste particular dos juízos de valor e quando me colocam ou coloco os outros em patamares da santidade ou no calor infernal da casa de lúcifer, tenho de perceber que a resposta certeira é uma impossibilidade ou como diz o povo na sua imensa sabedoria ... " só Deus sabe".

5 comentários:

Sofia K. disse...

Quanto a Deus, esse 'mito', ainda não posso falar muito que eu fui a maior beata de Lisboa e arredores, de ir à missa, diariamente, duas vezes ao dia e de quase chegar a freira! (Esta não sabias tu! estás a ver-me, não estás?. Mas, depois, fui por caminhos de maior pecado (MUITO MELHORES, CLARO!) e deixei-me dessas coisas... Às vezes, sinto-lhe a falta, mas não muita! Mas ainda não encaixei bem aquilo que penso e em que acredito... também nem me dou muito ao trabalho, prefiro ir vivendo! Por isso nem sei o que dizer dos juízos de valor!

Mas o que mais gosto é de, ao não acreditar nele, as coisas ganham maior beleza, porque não são predestinadas por ninguém, mas feitas por nós... Essa é a maravilha do mundo e não a maravilha de Deus! E a vida não é regida pelo crime e castigo, pelo pecado e perdão, mas pela consciência de cada um!

Venho dar os parabéns pela escolha musical! Sabes que é inspirada num salmo? É linda! Lembra-me sempre a mana Ana, que a canta lindamente! Eu também a canto... mas mal!

beijinhos
(nota: diz à Paula que a receita já lá está no meu cais!)

miguel disse...

Sofia:não é por teres um amor de olhos verdes e seres uma miúda fantástica que deixo de imaginar-te freira ou que passa a ser estranho ires duas vezes à missa!

Porque é que as freiras não podem ter amores de olhos de cores variadas e porque é que as miúdas fantásticas não hão-de ir duas vezes à missa por dia?

Ficam piores ou diferentes por isso? não me parece!

E obrigado pelo comentário, que isto do blogue dá gozo mas às vezes faltar quem comente é chato :)

Sofia K. disse...

Obrigada pelas tuas palavras! Mas olha eu gosto mais de mim assim, sem o peso do crime e castigo... e como diz uma amiga minha: Quero ir para o inferno, porque no céu não conheço ninguém e é mais quentinho!

Quantos aos comentários tens razão, são eles que dão dinâmica aos blogues! Passo aqui todos os dias, mais do que uma vez por dia, mas nem sempre comento. Como podes saber que passo aqui? Vá, prometo deixar aqui mais comentários para te alegrares e não desapareceres do ´éter'...

beijinhos

ana v. disse...

Bom tema, Miguel.
O eterno tema da existência (ou não) de um Deus...
Estranhamente (porque sou rebelde e talvez fosse mais natural em mim não acreditar) acredito que existe um Deus, algures. Não lhe dou uma forma nem me agrada muito a estética da simbologia que me impingiram, mas vejo-O como a essência do Bem, que me pacifica e que me entende, sem a carga negativa do castigo. Acho que as interpretações humanas (pelas razões do costume, o poder e o domínio dos outros) destruiram e deturparam essa essência, e que isso levou muita gente a afastar-se de uma espiritualidade séria. Por isso percebo muito bem a Sofia, que fugiu do excesso dessa carga negativa e não propriamente do divino. Gosto da transcendência da vida e das coisas, mas não gosto que me obriguem a fórmulas que não me dizem nada.
E gosto, sobretudo, de descobrir os sinais dessa transcendência em mim e nos outros.

Huckleberry Friend disse...

Talvez seja arriscado um autoproclamado ateu vir para aqui perorar sobre o que é Deus... mas vou arriscar. Porque o tema é excelente, porque somos amigos, porque quando digo ateu há quem erga uma sobrancelha (Miguel, Ana...) e porque nos une o prazer de especular. E porque me sinto (oh, paradoxo!) próximo de uma definição de Deus aqui dada pelo blogmaster.

Ponto de ordem: acho que Deus não existe e que depois da morte não há nada. Já me apeteceu acreditar muitas vezes, já precisei tantas... mas nunca fui tocado pela graça da fé, como diria certo agnóstico que conheço. E tebgi sobrevivido, sem me tornar um materialista alheio à transcendência. Porque não abdico da procura constante de que falas, Miguel... voltar-me para os outros e para as coisas é o que mais me seduz na vida! Daí que comungue de parte daquilo a que chamas Deus. A diferença é que eu não chamo.

E a busca? Vamos a ela... a Sofia exprimiu melhor do que ninguém o que sinto (ou não tivéssemos no activo muitas horas a falar disto, por vezes nos antípodas um do outro), ao escrever: "a maravilha do mundo e não a maravilha de Deus". Procuro a maravilha em cada rosto, em cada pedra, em cada onda, em cada verme. Encontro-a por vezes, outras não. E a maravilha é transcendência. O que não me choca é que ela só exista com suporte físico... acho que este não a delustra, antes a valoriza e torna mais real e concreta.

Se calhar, não acredito em Deus porque me maravilho o suficiente com o mundo para não precisar de mais eternidade do que a de saber que os átomos que hoje me compõem (e todos os demais) irão ser reagrupados em peixe, árvore, lama ou vapor quando chegar a minha hora. Viverei, efemeramente, na memória de alguns, mas não terei experiência disso. Até lá, e espero que falte muito tempo, vivo cada momento com intensidade e construo coisas que creio eternas à escala ínfima do tempo que cá vou passar. Com as coisas, com os outros. Comigo. Se isto é ter um Deus, então tenho-O, mas sem me dar conta.

Um abraço!

PS: Uma palavra sobre o Deus-juiz: detesto-o, é desresponsabilizante, é injusto. Se existe, que se demita! Prémios e castigos são, na vida, os resultados das escolhas que fazemos. E do acaso, claro, porque se a vida não tivesse nada de imprevisível era uma chatice.