terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

escola real (V)


Acho que nasci com uns anti-corpos que me levam a fugir do corporativismo "como o diabo foge da cruz". Essa característica está em mim , incontrolada, tal como a cor dos meus olhos ou a minha configuração morfológica. Navego de texto em texto e de ideia em ideia ao sabor dos meus gostos e concordâncias pontuais. Não hesito em mudar de opinião, se achar que devo mudar de opinião ou que a minha opinião anterior estava errada, total ou parcialmente. Sou capaz de encontrar plataformas de convergência em textos que veiculam posições absolutamente divergentes sobre o mesmo assunto.
Tudo isto se passa comigo, também, quando se trata de me posicionar sobre a reforma educativa em curso. Tenho , no entanto, uma convicção: a reforma educativa transformou-se menos numa " questão de educação" do que numa "questão de Professores" , talvez porque sem professores não haja reforma que medre e desnvolva.
Por isso vou passar a transcrever, aqui, no Algeroz!, alguns textos que me chegam, via e-mail ou que vou apanhando em blogs, sites institucionais e artigos de jornal. Todos eles têm uma característica: são textos que subscrevo, pelas mais diversas razões, mesmo que veiculem pontos de vista aparentemente antagónicos; mesmo que me doam; mesmo que não sejam peças literárias de mérito. Quero apenas que emitam uma luz que estimulem o receptor que há em vós e se tronem matéria de reflexão ou discussão.
Este foi retirado daqui:
Trabalhar muito, trabalhar pouco
Vemos um homem num banco do jardim a ler o jornal. Estará a trabalhar? Claro que não, está a gozar o seu tempo livre. Pode ser que esteja reformado e a gozar o ócio a que quarenta anos de trabalho lhe deram direito; pode ser que seja Sábado e ele esteja a aproveitar o fim da manhã, enquanto a mulher acaba de cozinhar o almoço; pode ser que estejamos num dia útil e que aquele homem seja um trabalhador que faz uma pausa entre o seu trabalho da manhã e o da tarde. Em todo o caso:aquela leitura de jornal não é o que normalmente se considera tempo de trabalho. É tempo de ócio.Façamos um zoom e olhemos com atenção para o jornal. Não está, como tínhamos imaginado, escrito em português: está em alemão. O título é Die Zeit ou Die Welt. Pela pasta que o homem tem ao seu lado, no banco de jardim, e pelos papéis espalhados ao lado, concluímos que é professor de alemão nalguma escola secundária.
E é aqui que a nossa perspectiva se complica: o homem está a trabalhar ou está a gozar o seu tempo livre? A avaliar pela expressão do rosto,a leitura está a dar-lhe o mesmo gozo que a do Diário de Notícias daria ao reformado da nossa primeira hipótese; mas por outro lado sabemos que, com prazer ou sem ele, está a treinar capacidades que na sala de aula lhe competirá ensinar.
Lembramo-nos dos jogadores de futebol: só estão a trabalhar enquanto jogam? Ou também trabalham quando treinam? A certa altura vemo-lo estender a mão para a pasta, pegar numa esferográfica, descrever um círculo à volta de um artigo:terá encontrado um texto para utilizar mais tarde num teste, ou numa aula? Não sabemos. Só sabemos que não sabemos se o homem está ou não está, naquele momento, a trabalhar. Admitamos agora que o nosso professor de alemão anda a ser seguido porum perito em eficiência ao serviço do Ministério da Educação, que anota todos os seus actos com o fim de apurar a sua utilidade.
Como classificará este inspector taylorista esta actividade a que assistiu? Se ela durou meia hora, será classificada como meia hora deócio, ou como meia hora de trabalho? Ou optará o nosso inspector por distribuir estes trinta minutos pelas duas classificações? E neste caso, em que proporção? Em partes iguais? Dez minutos de trabalho e vinte de ócio? Vinte minutos de trabalho e dez de ócio?
Pela minha parte, confesso que não gostaria de estar na pele deste hipotético inspector.Tudo isto vem a propósito de um comentário feito por um leitor ao meu artigo «Trabalhar menos, ensinar mais»:«É muito difícil para uma pessoa normal compreender que um professor,que trabalhava 22 horas por semana e que tinha montes de férias,trabalha muito.»Com efeito é muito difícil. Se é difícil, como vimos, para um hipotético perito em eficiência, muito mais difícil será para uma «pessoa normal».Para uma pessoa normal, é difícil imaginar que se os testes aparecem elaborados é porque alguém os elaborou, se aparecem corrigidos éporque alguém os corrigiu. Uma pessoa normal não sabe, nem tem que saber, quantas reuniões de Conselho de Turma tem cada professor no fim de cada período. Se essa pessoa normal for um aluno, sabe que o seu professor tem uma turma: a sua. Das outras, tem uma vaga ideia. Emuito menos sabe da existência de reuniões intercalares.Não sabe das reuniões de Área Disciplinar, de Grupo ou de Disciplina.Não sabe da infinidade de actas, obrigatoriamente escritas à mão, a que essas reuniões dão origem. Não sabe das grelhas que é preciso preencher, das matrizes que é preciso elaborar e arquivar, dos relatórios que é preciso redigir, das estatísticas que é preciso entregar já prontas à tutela, das fichas personalizadas (uma por aluno), da informação redundante que é preciso registar, muitas vezes, em meia dúzia de suportes diferentes.Não sabe das centenas de páginas de livros, de revistas, de sites da net que é preciso consultar para elaborar um textinho de meia página para dar aos alunos, textinho este que depois é preciso adaptar,transcrever e fotocopiar na quantidade necessária.Uma pessoa normal não sabe nada disto, porque não vê. Só vê as aulas.
Uma pessoa normal está para os professores como um adepto de futebol que não soubesse o que é um treino e imaginasse que os jogadores trabalham hora e meia por semana, aos domingos, que é o tempo que dura um jogo.Uma pessoa normal acha que quando os alunos estão de férias osprofessores também estão. Nem lhe passa pela cabeça que o mês deJulho seja o mais trabalhoso no calendário de qualquer professor -devido ao pesadelo burocrático que é a época de exames e à logísticaparanóica que os sustenta.E não sabe que, mesmo no tempo já longínquo em que os professorestinham «montes de férias», essas férias eram mais que merecidas.Acreditem-me: eram mais que merecidas.Por serem mais que merecidas é que em todos os países que conheço - econheço bastantes - as férias dos professores são bem mais longas doque em Portugal, para além de serem bem mais longas do que as dosoutros trabalhadores. Não direi que isto não suscita invejas: ainveja é um vício especialmente português, mas não é exclusivamenteportuguês. Mas Portugal é, que eu saiba, o único país em que váriosgovernos ditos responsáveis cederam a essa inveja - mais do que isso,incentivaram-na - em vez de explicar aos cidadãos que essas longas férias são justificadas e úteis, no cômputo geral, para toda a gente. Quem conhece as escolas por dentro sabe há muitos anos que os professores trabalham muito: num país em que geralmente se trabalha demais os professores, caso se resignem a não ensinar ou a ensinar pouco, trabalham mais ou menos o mesmo que as «pessoas normais»; e mais ainda se quiserem ensinar alguma coisa. Sempre foi assim. Os professores nunca protestaram muito contra o excesso de trabalho porque em Portugal protestar contra o excesso de trabalho é mal visto - culturalmente valoriza-se mais o trabalhar muito do que otrabalhar bem - e porque de um modo geral têm suficiente brio na sua profissão para não medirem tempo nem esforço.
O que mudou com esta ministra? Mudou que sobrecarregou de tal maneira os professores com tarefas inúteis que não só lhes tirou o pouco tempo livre que tinham, como lhes roubou o tempo de ensinar. Os ministros anteriores tinham contra si muitos professores; esta tem contra si quase todos, e especialmente os melhores - os que lêem DieZeit, o Time Magazine ou o Nouvel Observateur; os que assinam revistas de Química, de Biologia ou de Informática; os que aproveitam quase todos os momentos de «ócio» para tirar notas mentais do género «isto é-me útil para as aulas, aquilo não».
Durante muitos anos os professores perdoaram aos vários ministros ascentenas ou milhares de horas de trabalho excessivo, burocrático e inútil a que foram obrigados. O que não perdoam nem perdoarão a esta é que, surfando na inveja nacional, esteja a multiplicar este trabalho a tal ponto que impede os professores de ensinar.

3 comentários:

Ángel de Olavide disse...

Obrigado Miguel por sus comentarios.
Veo además que me relaciona en su blogroll. correspondoré debidamente.
Muy interesante su comentario sobre las reformas educativas. En España tambien vivimos en ese clima de cambios y no terminamos de aclarar bien las ideas. coincido con usted en pensar que el problema tiene un componente "humano", de actitudes y comportamientos, mas que técnico o de recursos.

Un saludo

miguel disse...

Caro Angél: espero ser este o início de um fraterno intercâmbio de ideias e experiências desta imensa nossa imensa pátria feita de tantas nações.

Ángel de Olavide disse...

Pues entonces, adelante. Participo de los mismos sentimientos "iberistas". Para mi y para muchos de mi generación Portugal, y sobre todo Lisboa tienen un enorme significado sentimental.
Un abrazo

Angel