sábado, 24 de novembro de 2007

Justificação 2


Para os mais pequenos dos que crêem , mesmo que eles creiam porque alguém os ensina a ser crentes, os mortos, e principalmente os mortos deles, encontram-se , algures, no espaço sideral, num ponto geralmente na vertical do local exacto onde esses crentes se encontram, de onde os olham e parecem viver numa espécie de SPA, 24 horas ao dia. Para eles, os pequenos , mas também para os outros crentes, os mortos que lhes são queridos são um pensamento recorrente, que sobrevem de dia ou de noite, em sonhos que ocorrem no estado vigil que corresponde a dois terços da vida ou no outro estado, o de adormecimento, que ocupa o restante terço. Lembram-nos, ou porque sentem a sua falta, ou porque o exemplo que protagonizaram em vida é agora farol de uma vida que decorre, ou porque o mesmo exemplo é exemplo a não repetir ou porque simplesmente, estão “lá”, e em algum momento nos observam, nos dão a mão e nos aconselham ou criticam, no desespero que nos atormenta , por vezes, os dias.
E tudo isto, serve, de alguma maneira, para os não crentes: nutrimos todos pelos nossos mortos um afecto que tende a nunca ser corrompido. Deles somos devedores das mais belas páginas escritas, das mais fantásticas descobertas científicas, dos maiores feitos de coragem, de decisões que mudaram, para o bem e para o mal, o nosso próprio destino.
Portanto, uma boa parte do que somos e fazemos, devemo-lo a essa enorme maioria cujo corpo se foi para sempre. Um diário, como o são os blogues, cumpre parte da tarefa de tornar vivos, os mortos.
Se não fossem eles, teríamos que inventar as coisas más, mas também teríamos que inventar a bondade, a mansidão, a benevolência , a tolerância e o domínio de nós mesmos. Assim temos apenas que reinventá-las, e há sempre mil e uma formas de reinventar o que é bom. Basta estar vivo...

2 comentários:

Huckleberry Friend disse...

Querido Miguel: Dou-te as boas-vindas à blogosfera comentando a segunda entrada do teu blogue, que na primeira já a Sofia brilhou, e com estrela que tanto brilha prescindo de colidir... porque pertenço à categoria dos não-crentes, daqueles para quem a vida depois da morte só existe na memória dos que cá ficam e do que neles de nós deixarmos, aplaudo o gesto de tornar vivos os mortos. É a melhor forma de manter vivos os vivos. Um abraço amigo do Pedro Cordeiro.

Mário disse...

Quanto a esta questão, só posso dizer:
1. todos estamos a viver até estarmos mortos;
2. não há ninguém "a morrer" - ou se vive ou se está morto;
3. sei que estou vivo;
4. sei que posso estar morto daqui a momentos;
5. espero não estar morto daqui a momentos;
6. espero ainda viver muitos anos;
7. não sei o que é a morte. Se se traduz por alguma coisa ou não - ninguém pode saber;
8. em termos de desejar, mais do que crer, entusiasmava-me a morte ser algo de fascinante e de libertador, em que pudéssemos aumentar o conhecimento;
9.faz-me pena que a morte seja o nada, e que um animal com estas potencialidades e tantos sentimentos viva apenas uma existência que é um sétimo da de um saco de plástico;
10. mas vivo em prol da vida, e não a pensar na morte - dado que relativamente a esta, sei que tem coisas excelentes e que ainda pode ser melhor. Em relação à outra nada se sabe, e qualquer consideração será necessariamente especulativa.
Abraços, e por mim, toca a desenterrá-los!