quarta-feira, 23 de julho de 2008

ciganos


Tenho muito presente na memória uma afirmação , curiosa e telegráfica e que eu ouvi, há uns anos atrás, da boca do então Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins. Foi mais ou menos assim :

- Os ciganos têm primeiro de aprender a respeitar a sua própria dignidade para poderem depois respeitar a dignidade dos outros .

11 comentários:

Anónimo disse...

Então e quem é que os ensina?
Fartleker

Anónimo disse...

Vejo aqui ao lado no seu excelente enlace (en castellano) "urban cidades" (ou urbanidades) uma fotografia aérea do antigo carcel modelo de Madrid. É incrível a semelhança arquitectónica com o nosso Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Uma vez que esta entrada é sobre ciganos,aproveito para reflectir um pouco sobre o que é a prisão para um membro desta etnia.
Para começar, ser preso não é um estigma. Apenas o será eventualmente pela vergonha de se ter deixado apanhar. É quase como ir à tropa quando ela era obrigatória para alguns.
Mas o cigano tem outras vantagens em relação aos outros prisioneiros: Tem a visita diária da mulher ou da mãe que lhe trazem comida; tem a protecção dos primos e amigos de etnia que lá dentro formam grupo à parte; tem a certeza de que, durante a prisão, a mulher não o trocará por outro nem será despejada por falta de pagamento da renda; sabe que não terá dificuldade em arranjar trabalho quando sair pois ninguém lhe pedirá o registo criminal...
Não tem, enfim, o grosso as angústias que afectam quem se vê na situação de encarcelado.
A lei deve ser igual para todos, como sabemos. O problema é que não somos iguais e uns há que o são muito menos.
Voltando à imagem inicial, é uma pena se for para diante o plano de demolição do nosso EPL. Os madrilenos já estarão a esta hora arrependidos de terem demolido o seu lindíssimo carcel. Nós ainda vamos a tempo de não nos arrependermos.

Fartleker

miguel disse...

Interessantíssima adenda, caro Fartleker.

Abraço

Anónimo disse...

É pena que no nosso país no seculo 21 ainda aja tanto racismo

Anónimo disse...

Racismo da parte de quem?

Mário disse...

Tenho, como clientes, uma enorme comunicade cigana. Dá gosto ver aqueles miúdos, eles reguilas, elas cheias de pulseiras e "ouros" (verdadeiros!), a dançarem em requebros.

Pais extremosos e competentes, salvo se houver uma feira ou se aproximar o Natal - aí não dá para ficar em casa com crianças doentes (e os McCann, não deixaram os três filhos sós para se irem enfrascar?).

Fazem tudo pelos filhos. Um dia, numa consulta, conversei com um pai e uma mãe sobre os abusos sexuais a crianças. "Na nossa raça não há disso!" - foi a resposta, ipsis verbis. E sei que não, porque quem abusasse de uma criança na comunidade cigana assinaria a sua própria sentença. Poderemos dizer o mesmo de outras comunidades e famílias?

Um dia, apareceu-me aí uma dúzia de ciganos na consulta: a história resume-se breve - uma cigana estava a vender na Avenida da Igreja, com a manta no chão, e uma senhora (fina ou a julgar-se fina) ficou irritada com a insistência de "compre esta malinha, freguesa, já viu esta malinha", e deu um pontapé nas coisas que estavam na manta. A cigana deu um estalo na outra e, por isso, foi parar a Tires. Esteve em prisão preventiva sem culpa formada durante mais de três meses. Tinha um filho de 3 anos que foi para o pé dela (além de mais outros dois, mais velhos, que ficaram com os avós). Ora a Lei portuguesa diz que, ao fazer 4 anos, têm de sair da cadeia - os filhos, entenda-se, não as mães. No dia dos anos: out! E a criança passou a poder "visitar" a Mãe apenas às sextas-feiras, durante uma hora. Resultado: entrou em depressão, com medos, regressões, terrores nocturnos e deixou de comer. O patriarca da tribo explicou-me a situação. Decidi então escrever à Juíza do caso, e disse-lhe que, a partir daquele dia, a tornaria responsável por tudo o que acontecesse à criança, dado que a Mãe não parecia ser perigosa e poderia, certamente, aguardar o julgamento em liberdade. Estava-me ans tintas para que fosse Juíza e "irresponsável".
A grande notícia foi que foi solta no dia seguinte. A partir daí, tenho feito grandes amizades na comunidade cigana.

E há histórias incríveis, como aquele avô de uma das famílias mais ricas, que pediu muita desculpa de ter chegado atrasado à consulta, mas tinham-lhe dado dois tiros de caçadeira na porta do carro quando estava a estacionar na Defensores de Chaves, à porta do consultório(e era verdade!)

Ou o miúdo de 5 anos que estava ao colo do Pai e este a colocá-lo no banco de trás do carro, e viu dois tipos virem atrás do Pai, cada um com uma pistola, e darem-lhe dois tiros na cabeça, caindo ele sobre o filho a esvair-se em sangue. Foram presos e explicaram: tinha sido engano, não era aquele cigano que queriam matar, era um parecido. A criança teve de ter grande apoio para ultrapassar a situação.

Outra história de que me lembro teve a ver com as vacinas: uma Mãe queixou-se que "lá no bairro" havia pais que não vacinavam os filhos, porque quando "os da raça deles" iam ao centro de saúde, eram quase repelidos. Chamei o chefe da tribo e conversámos, e seguiu com a mensagem de reunir as crianças e levá-las ao centro. Uma conversa com uma excelente e inteligente enfermeira do centro de saúde foi o segundo passo. Tudo se conjugou e as crianças apareceram e foram todas vacinadas sem problemas.

Tenho já filhos de clientes meus, ou seja, segunda geração. E aprendi que, antes dos 30 anos, é inútil falar com a Mãe ou com o Pai - fala-se com a Avó Paterna, que detém a responsabilidade. Se a convencermos do que tem de ser feito, está assegurado.

"Se tiver algum problema, qualquer um, fale connosco que o resolvemos!" - já me disseram algumas vezes. Prefiro não ter problemas, e se os tiver não os darei a resolver aos meus amigos ciganos... embora goste muito deles.

miguel disse...

Mário: há uma " questão cigana " e nada como partilharmos experiências e pontos de vista.

obrigado

Mário disse...

Olá. Miguel.
Há uma queestão, há, se não houvesse não a referias em Entrada, e eu não contava "histórias de ciganos", porque "nem dava que eram ciganos".
E é uma questão que, quanto a mim, tem responsabilidades nos dois lados. Um grupo que tem receio de se integrar, e que a normalização (não apenas a da UE e a da ASAE) os faça perder os estilos de vida e tradições, e por outro lado, desejam mantê-.los porque alguns deles iriam mesmo ser mudados porque não jogam com as regras fundamentais do tecido social português (como a relação com a escola, a pouca auto-determinação das mulheres, a violência como forma de justiça, etc).

Acresce que muitas pessoas e o próprio Estado, também desconfia destes "estranhos" (como sempre, na História) que vieram dos contrafortes da Índia, que têm hábitos diferentes, que provocam atracção (desde que confinados a certas actividades e a certos espaços - circo), e repulsão (por medo, muitas vezes sem razão), algum toque de racismo de cor (são escuros, e além disso não se lavam e vestem de preto), e a prova é que não tens praticamente licenciados desta etnia.

A progressão da inclusão tem sido muito lenta. Responsabilidade das famílias ciganas, mas também de um Estado que só se preocupa com alguns (e a quem sabe bem, também, ter um bode expiatório à mão).

Como escreveu Herbert Pagani: a prpósito de tudo pode sempre gritar-se "c´est la faute aux juives!".

Abraços e um bom dia

Mário disse...

Achas que a dignidade dos ciganos foi respeitada com o acórdão da Juíza de Flegueiras?
Abraços

Mário disse...

Um mês depois do meu último comentário (que parece ter sido também o último da série), e sabendo que as férias acabaram, aqui fica apenas uma palavra: "saudade". E talvez outra: "aparece". E ainda outra: "espero".
Abraços
Mário

miguel disse...

Já cá estou, amigo!

A ver se começo a actualizar...vontade não me falta.

E tanto bebé e tanta grávidez pelo Baleal. Uma alegria!