O estabelecimento onde costumo aparar a barba leva 7€ pelo serviço. Disseram-me que é muito caro. Eu só tenho que acreditar porque, já velho, ainda associo roubo, unicamente, com o conceito clássico do próprio acto – violento, clandestino, ameaçador. Na barbearia tudo é diferente: o dono e os empregados são cordiais e agradecem, penhoradamente, a generosa gorjeta com que enfeito o acto do pagamento.
O enorme espelho corrido, que reflecte a minha imagem enquanto me cortam o cabelo ou, enfim, me aparam a barba por um preço manifestamente exagerado, não mente: os barbeiros devem ser profissionais de larga experiência porque são a imagem – intuitiva – do típico português de meia-idade, avançada, com cabelos de cor branca, pouco pujantes e impecavelmente penteados , uma barriga proeminente , destonificada e sábia expressão no rosto que torna qualquer um devedor do respeito natural que se deve aos anciãos .
Postas que são estas e outras constatações divirgo, então, o olhar para a minha própria pessoa. O espelho não mente: procuro aquilo que me diferencia dos barbeiros – a erudição jovial e bem humorada da expressão, as madeixas quase louras, a pele salvaguardada da passagem do tempo. Debalde. O espelho não mente: somos todos, os que ali estamos , a reprodução da mesma imagem da decadência física e da maturidade quase acabada. O espelho não mente porque, na sua frieza de água clara e transparente, não escamoteia a comparação; fá-la com um notável sentido do real. Espelho sábio!
É na barbearia que me dou conta que estou velho e então dá para compreender a condescendência com que me vão tratando e a minha própria condescendência , aquela que vai tomando conta de mim.